domingo, 27 de setembro de 2009

Comentar com os que comentam

Não imaginava que meu breve comentário sobre Romanos 12.15 no final de um post sobre a última assembleia da ELCA fosse render tanto... Mas os comentários continuam chegando, e fico tão animada de ver que alguém me lê que não quero deixar a peteca cair. Continuemos, então.

Pelo Facebook, minha amiga Luciana (que conheço desde a terceira série!) fez a defesa da Pollyana:


Eu nunca entendi a Pollyanna como alguém que nunca ficou triste. A Pollyanna sentia as coisas que davam errado com ela, sim. Mas ela conseguia ver que aquilo não era a pior coisa do mundo nem a última a acontecer na vida.
<...> Acredito que otimismo e empatia caminham juntos. Nada mais chato que estar triste e chegar um amigo que ao invés de te consolar vai te falar que as coisas estão ruim mesmo. E quando as escrituras nos ensinam a chorar com os que choram, elas nos ensinam como o consolo deve ser. Não um deixa disso, mas estar presente na hora necessária com um coração solícito e compreensivo.
Assino embaixo, Lu. Quando eu disse que "Chorar com os que choram é deixar de ser Pollyanna", tinha em mente os exageros cometidos em nome do otimismo. É verdade que é horrível ter ao seu lado uma hiena pessimista ou um andróide paranóide que só sabe dizer que tá tudo cinza, vai dar tudo errado, ó céus, ó vida, ó azar. Mas também é ruim quando quem tenta nos consolar parece desprezar a nossa dor. Especialmente nas igrejas, infelizmente, há quase um preconceito contra quem demonstra tristeza - muitos apelam para o "deixa disso", sem tentar compreender o que o outro sente.

Minha amiga Márcia defendeu as pequenas tristezas:
Realmente, as grandes mágoas são mais fáceis de se lidar pq contam com a compaixão dos que nos rodeiam.
As pequenas mágoas são as mais difíceis... porque quem tá de fora não entende como uma coisinha dessa pode causar tanta dor, como uma situação acaba se repetindo tantas e tantas vezes e o fulano não aprende a conviver com aquilo...
É claro que quando a gente analisa, tem muitas pessoas em situação pior do que a nossa, o que traz um pouco de conforto (um conforto egoísta até), mas geralmente não cicatriza a nossa ferida.
Só que o que para os outros é uma "coisinha", uma coisa que já teria que ser aprendida, pra quem sente é muito diferente... é dor que paralisa, que apaga as estrelas e nos envolve na escuridão...
É nessa hora que as lágrimas dos que choram com a gente brilham... e começam a trazer as estrelas de volta.
Verdade: só quem é amigo mesmo entende as pequenas mágoas do outro. Só quem ama pode, com sinceridade, oferecer ouvidos pra ouvir e ombros pra chorar. Claro que o bom amigo também vai aconselhar, apontar quando nós mesmos provocamos o erro. Amigo não é aquele que assina embaixo de tudo o que a gente faz, mas é aquele que nunca diz "Eu te disse".

Já o Luiz, meu ex-companheiro de FABAT, acrescenta:

Acho que chorar com os que choram também é validar sua dor e seu direito de sofrer. Tantas vezes a gente se sente pequeno e desamparado, e ainda tem que viver num mundo que cultua a alegria, a força e a vitória. Chorar com os que choram é mostrar que está ok sofrer um pouco com a vida, ficar triste e sofrer derrotas. Que ser humano e limitado não é problema nenhum, e que estamos todos juntos nessa. Sem sentimentalismos, exageros ou citações bíblicas para tudo, sabe?
Não é de hoje que a tristeza e o sentimento de desamparo são criticados - Fernando Pessoa já falava disso no seu Poema em Linha Reta. Ninguém quer admitir fraqueza ou falta de fé, e nessa ânsia de ser super deixamos de ser humanos. Mas também existe um certo "preconceito" contra a alegria. Lendo o comentário do Luiz, me lembrei de uma discussão que rolou anos atrás na seção de cartas da Megazine (suplemento jovem do Globo), em que alguns poetas "engajados" criticavam os que escreviam poemas de amor: absurdo, falar de amor com tanta fome e injustiça no mundo!

Às vezes, tentando fugir do triunfalismo que nega a tristeza, caímos no erro de negar qualquer alegria. Como comemorar qualquer coisa, se há tanta gente que não tem nada para comemorar? Mas isso também é deixar de ser humano. Acredito no equilíbrio: nem me isolar no meu castelo onde nada de mal acontece, nem me desesperar e virar carpideira da humanidade; mas viver (e deixar que os outros vivam, e viver com os outros) a alegria e a tristeza, a dor e o prazer, o riso e a lágrima.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Dia da Verdade

Hoje, eu sentei à mesa com os líderes da minha igreja - meus líderes - e disse a verdade. Confessei minhas dúvidas sobre a Bíblia e a Palavra, e disse coisas nas quais normalmente até evito pensar. Admiti que todas as descobertas que fiz, que desafiam conceitos em que antes acreditava, não me chocaram - pelo contrário, amo cada dia mais o estudo bíblico-teológico. Fui absolutamente sincera, a ponto de me surpreender com o que saía da minha boca. Me dispus a deixar a minha amada igreja, para não correr o risco de machucar outros enquanto eu me entendo com estas dúvidas e questões.

E fui ouvida. Criticada? Sim. Disseram até que, se fossem eles meus pais, insistiriam comigo pra deixar o Seminário. Mas foram críticas temperadas com amor e compreensão. Mesmo na hora de expor as ideias mais terríveis, eles não me interromperam. Mesmo defendendo com emoção seu ponto de vista, eles não me marcaram como "herege". Mesmo depois de tudo o que apresentei, eles me convidaram a ficar. Não como alguém em "disciplina", mas como uma irmã.

Esta noite, na igreja, celebraram meu aniversário com bolo, orações, flores, muitos abraços e palavras de carinho. E eu só posso agradecer a Deus por ter encontrado pessoas tão dispostas a fazer valer o amor, acima de doutrinas, ideias e experiências.

Ainda sobre chorar com os que choram

Nos comentários, Harlyson Lopes Vieira perguntou:

O que é "chorar com os que choram" para ti?
Num sentido bem prático, chorar com os que choram (e se alegrar com os que se alegram) é pra mim se identificar com o sofrimento ou com a alegria de outra pessoa. Não é algo que se possa forçar, é fruto de amor - não do sentimentalismo, mas do compromisso de levar outro ser humano em consideração. É o antídoto do triunfalismo, porque mesmo quando recebo a maior das bênçãos eu me lembro dos que não foram ou não se sentem abençoados. É também o antídoto do pessimismo, porque mesmo na tragédia eu percebo que ainda há beleza no mundo.

Chorar com os que choram é deixar de ser Pollyanna, tentando ver motivos de riso até na boneca que nunca se ganhou de Natal. Tiago 5:13 diz: "Está alguém entre vós aflito? Ore. Está alguém contente? Cante louvores." Simples e claro, nada daquela bobagem de "Quem tem Jesus [...] está sempre sorrindo, mesmo quando não dá". Nas palavras de um sábio comentarista da JUERP: "Sorrir mesmo quando não dá? Não dá!" Como já disse um outro sábio, muito antes, "Há tempo de chorar e tempo de rir".

Se alegrar com os que se alegram é deixar de ser como a hiena do desenho. Tristeza não tem fim, e muitas vezes a gente cede à tentação de achar que nada dá certo, que Deus se esqueceu... Não estou falando, claro, das grandes dores, mas das decepções cotidianas, daquelas mágoas que vistas de longe parecem ínfimas, mas que são intensas pra quem sente (dor-de-cotovelo, por exemplo, ou a milésima promoção perdida para alguém menos capacitado).

Enfim, chorar e alegrar-se mutuamente é reconhecer o belo e o feio da vida. Nas palavras do Sergio Pimenta, é amar o seu próximo "como se a dor que ele sente fosse a que sente você".

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Bienal do Livro 2009: Notas Rápidas

  • Pra quem tem livros "encostados", a dica é passar no estande da Estante Virtual, no Pavilhão Verde, que está promovendo um troca-troca. Mas atenção: a troca é limitada a 10 livros por pessoa, e tem fila, claro!
  • Leve seu próprio lanche ou se prepare para gastar R$4,00 em comida sem graça (pelo menos o crepe estava bem mais ou menos). Segundo o Globo, o cachorro quente só com pão e salsicha sai por R$6.
  • Visite a Floresta dos Livros no Pavilhão Verde. É bacana, lembra um pouco o Museu da Língua Portuguesa.
  • Nerds de plantão: levem suas máquinas fotográficas e passem no estande da Panini, no Pavilhão Azul. Um certo grandalhão verde e mal-humorado espera por vocês lá.

domingo, 13 de setembro de 2009

Da arte de chorar com os que choram (cont.)

Dois amigos responderam ao meu último post com perguntas. Seguem minhas réplicas (com espaço para tréplicas e "quatréplicas", claro).

O primeiro comentário é do Harlyson, meu colega de turma na FABAT:

Para complicar, devo me tolher pelo outro? Ele deve se tolher por mim? E a liberdade? Se não demonstro minha alegria quando estou alegre porque isto pode ferir o outro que chora, então sou honesto? Poderia dizer "amigo,estou alegre por isso e isto, mas agora chorarei contigo, depois tu deixarás a tristeza ir embora e te alegrarás comigo". Mas se o outro não aceitar? Se a dor do outro permanecer mais tempo do que suportamos?
Não posso esperar que a dor ou a alegria do outro dure só o tempo que eu consigo "suportar". Acho que o que precisamos é de sensibilidade para não transformar a minha dor ou a minha alegria na coisa mais importante do mundo, na única coisa que vale. Imagine, por exemplo, que um ônibus escolar sofra um acidente. Algumas crianças morrem, outras são salvas. É óbvio e natural que os pais que perderam seus filhos sofram (e essa não é uma dor que suma rápido...), assim como é natural é óbvio que aqueles que receberam seus filhos de volta comemorem muito. A questão é: nem os que se entristecem (com razão!) podem se esquecer dos que se alegram, nem os que se alegram (com razão!) podem se esquecer dos que se entristecem. A alegria terá sempre uma ponta de tristeza, e a tristeza, uma ponta de alegria.

O outro comentário é do Ed Carlos, meu ex-companheiro na PIB de Botafogo:

Oi I, o texto me fez refletir algo que estive pensando dia desses... Há nas igrejas evangélicas, inclusive nas lideranças, homossexuais que não se manifestam como tal e lá permanecem cultuando a Deus.
Uma questão sobre pré-julgamentos: você acredita na salvação de membros da igreja católica?
Sobre os homossexuais: acho triste que eles precisem esconder sua condição para serem aceitos nas nossas igrejas...
Quanto à salvação dos membros da Igreja Católica: é uma pergunta espinhosa. Sou daquelas que acreditam que vamos nos surpreender muito com quem encontraremos (ou não) no Céu. E não me apego mais a doutrinas... Acredito sim, na salvação de membros da IC. Só não me pergunte de quais :-)

Mais comentários?

domingo, 6 de setembro de 2009

Da arte de chorar com os que choram

No último dia 21 de agosto, a Igreja Luterana Evangélica dos EUA (ELCA, na sigla em inglês), decidiu aceitar que homossexuais em relacionamentos estáveis assumam ministérios - inclusive o pastorado. Obviamente, muitas discussões precederam as votações. A pastora Nadia Bolz-Weber, líder da igreja House for All Sinners and Saints (Casa para Todos os Pecadores e Santos), uma das participantes, registrou suas impressões num sermão baseado em João 6.56-69, que pode ser lido no blog Sarcastic Lutheran.

A descrição que Nadia faz da assembleia lembra bastante qualquer reunião onde um assunto polêmico é discutido: discursos inflamados (mas nem sempre inspirados) de ambos os lados, e a sensação clara de que eu é que estou certo, e de que, se Jesus estivesse entre nós, certamente estaria do meu lado. Mas eis que um orador toma timidamente a palavra e, antes de qualquer coisa, confessa estar apavorado, tremendo de medo de falar, e pede que orem por ele. E o homem ao seu lado, que defendia o ponto de vista oposto, simplesmente pôs a mão em seu ombro e orou enquanto ele falava.

Este gesto simples fez Nadia humildemente reconhecer: por mais que ela e sua comunidade tivessem, sim, o direito de celebrar a vitória, não poderiam esquecer aqueles que perderam. Jesus não está nem "do lado deles" nem "do nosso lado", ele está no meio oferecendo a todos perdão. Nossas convicções, crenças e interpretações da Bíblia são importantes, mas não são as palavras da vida eterna. Mas é tão difícil deixar de confundir estas coisas...

Há muito tempo me sinto desafiada por (e intrigada com) Romanos 12.15: "Alegrai-vos com os que se alegram, chorai com os que choram". É um conselho simples na aparência, mas quando se vive em comunidade é inevitável que os momentos de tristeza venham junto com os momentos de alegria: Maria passou no vestibular, Pedro perdeu o avô. Pode Pedro rir com Maria, e Maria chorar com Pedro?

O sermão da pastora Nadia me apresenta um novo desafio: como agir quando a minha alegria é a causa da tristeza do outro? Criticamos o conservadorismo ou o liberalismo dos outros, e acabamos nos esquecendo de que eles não são só um bando de fundamentalistas estraga-prazeres, nem um monte de loucos rasgando Bíblias: dos dois lados há pessoas que procuram ser fiéis a Deus, que se entristecem profundamente com o que consideram ser desvios da "sã doutrina". Meu copo de vinho ou minha saia comprida valem mais do que estas pessoas?

Pode Pedro rir com Maria, e Maria chorar com Pedro, se é a alegria dela que fere seu irmão?

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