segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Tubo de Ensaio Teológico

Outro dia, numa das minhas aulas, foi apresentada a seguinte definição de Teologia: "Sistema de nossos conhecimentos sobre o Ser Supremo". E eu pensei: oras, se Teologia é isso, não é à toa que ela parece tão distante do cotidiano e da prática. Mais: na minha visão, essa definição de Teologia engessa o trabalho dos teólogos. Se o objeto da Teologia é o "Ser Supremo", estamos num buraco sem saída: nosso objeto é, por definição, incompreensível. Pelo menos na tradição cristã, Deus é o "totalmente outro", o insondável, o que não pode ser conhecido. Voltamos os olhos para o céu, já sabendo que nunca poderemos chegar a completar a tarefa - simplesmente porque ela não pode ser completada.

Ah, sim, temos a Revelação registrada na Bíblia, uma fonte segura para o trabalho teológico. O problema é que a Bíblia não é um tratado teológico sistematizado. Ela se parece mais com uma biblioteca, uma coleção de textos de diferentes origens, escritos por diferentes autores, com diferentes propósitos, para diferentes comunidades, usando todo tipo de gênero literário - da narrativa à lei, de cartas a poemas. Não é de se surpreender que doutrinas muito diversas entre si possam ostentar o título de "bíblicas". Quem quiser pode encontrar, na mesma Bíblia, textos para sustentar posições totalmente opostas. Que isso aconteça com as ideias sobre quando (ou se) acontecerá o arrebatamento, tudo bem. Mas e quanto ao calvinismo e ao arminianismo, por exemplo? Um Deus que predetermina todos os acontecimentos, inclusive quem será salvo ou não, é radicalmente diferente de um Deus que concede a suas criaturas o livre-arbítrio para aceitar ou não sua oferta de salvação.

Definitivamente, aquela definição de Teologia não me serve. Pode até ser etimologicamente correta (Theos = Deus, Logos = palavra, estudo --> Teologia = Estudo sobre Deus), mas eu sou bibliotecária e estou acostumada a superar etimologias (Biblio = livro, Theke = caixa, estante --> Biblioteca = caixa de livros). Por outro lado, ainda estou no meio da minha graduação, e seria pretensioso tentar redefinir toda a Teologia, jogando fora o trabalho de séculos (milênios, até) dos que vieram antes de mim. Só preciso de uma definição possível, uma hipótese de trabalho para seguir em frente sabendo que o próprio trabalho deverá trazer elementos que modifiquem, ampliem ou reduzam o escopo dessa definição.

Como teóloga, quero tirar os olhos do céu e trazê-los para a terra. Não quero produzir um sistema de conhecimentos sobre um ser supremo que é, por definição, inatingível. Quero, sim, compreender as ideias humanas sobre o divino, o sagrado, o mistério; e verificar como estas ideias afetam os relacionamentos entre os seres humanos.

Eu adoraria ouvir seus comentários: para vocês (especialmente os não-teólogos), que Teologia é possível?

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