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terça-feira, 29 de dezembro de 2009

O fator fé

O Raul, meu colega de Seminário (atualmente em "licença-paternidade"), deixou o seguinte comentário no meu post sobre o livro Missão Transformadora:

"quanto a sua última resposta de incerteza gostaria de lhe fazer uma pergunta: e o fator FÉ?"


A "última resposta de incerteza", creio, seria este trecho:

Para mim, porém, o apelo às "Escrituras" ou à tradição fala cada vez menos. Não posso mais defender a superioridade do cristianismo sobre outras religiões (ou sobre a "não religião", por falar nisso). E, no momento, não me sinto capaz de aderir incondicionalmente a qualquer doutrina cristã...


Caro Raul, o "fator fé" é justamente parte do problema. A fé cristã não é única e imutável, existem diversas fés possíveis, e cada uma delas encontra apoio em uma interpretação da Bíblia. Há cristãos sinceros que defendem que Deus determinou que X pessoas serão salvas e Y pessoas serão condenadas ao inferno. Há cristãos sinceros que acreditam que a salvação depende exclusivamente de uma decisão pessoal. Houve cristãos sinceros que acreditavam que obrigar alguém a se converter é um ato de amor - hoje, ninguém mais defenderia isto (pelo menos não em público). Há cristãos sinceros que acreditam que Deus está matando soldados no Iraque para punir quem tolera os gays, há cristãos sinceros que são homossexuais. Como saber qual destas posturas é a correta? O que significa esse "fator fé"?

domingo, 8 de novembro de 2009

Estou lendo Missão Transformadora, de David J. Bosch (3. edição, Ed. Sinodal, 2009), para a disciplina Fundamentos da Missão. Destaco aqui alguns trechos do capítulo 5, Mudanças de paradigma na missiologia, que me fizeram pensar...


É claro que sempre houve cristãos (e teólogos!) que achavam que sua compreensão da fé era "objetivamente" exata e, deveras, a única interpretação autêntica do cristianismo. Tal atitude, no entanto, baseia-se numa perigosa ilusão. Nossos pontos de vista constituem sempre meras interpretações do que consideramos ser a revelação divina, não a revelação divina em si (e essas interpretações são profundamente configuradas por nossas autocompreensões). Sustentei, nos capítulos precedentes, que nem mesmo os livros bíblicos que examinamos são, como tais, registros da revelação divina; eles constituem interpretações dessa revelação. [...] Ninguém recebe o evangelho de maneira passiva; cada qual, naturalmente, reinterpreta-o. [p. 228, grifo do autor]
De fato, sempre houve (e há!) cristãos que consideram que suas compreensões da fé são as únicas autênticas. E, geralmente, todos apelam para a Bíblia para justificar essas compreensões. Se aceitamos a visão de Bosch (que é também a opinião de muitos teólogos) de que os próprios livros bíblicos não são registros, mas interpretações da revelação, dá para entender porque grupos tão diferentes quanto calvinistas e arminianos ou carismáticos e "tradicionais" conseguem justificar-se biblicamente. A Bíblia não é homogênea, ela contém diferentes visões de mundo, de Deus, da igreja e da fé.

Até aqui, tudo bem - o autor mantém sua coerência. Vejamos o próximo trecho.

Em vez de ver minha própria interpretação como absolutamente correta e todas as demais, por definição, como errôneas, reconheço que diferentes interpretações teológicas, incluindo a minha, refletem contextos, perspectivas e vieses distintos. Isso não significa, todavia, que eu considere todas as posições teológicas igualmente válidas ou que aquilo em que as pessoas crêem não tem importância. Pelo contrário. Farei o possível para compartilhar minha compreensão de fé com outros, enquanto lhes concedo o direito de fazer o mesmo. Entendo que minha abordagem teológica é um 'mapa', e que um mapa jamais constitui o 'território' em si (...). Embora eu creia que meu mapa seja o melhor, aceito que haja outros e que, pelo menos em teoria, um desses mapas possa ser melhor que o meu, visto que só tenho acesso a um conhecimento parcial (cf. 1Co 13.12). [p. 234]
Acho que aqui as coisas começam a se enrolar. Se aceitamos que "diferentes interpretações teológicas (...) refletem contextos, perspectivas e vieses distintos", que critério podemos usar para determinar que posições são válidas? Gosto da metáfora dos mapas, mas, neste caso, temos que admitir que nenhum de nós tem acesso ao território. Se só tenho em mãos os mapas, que critérios posso usar para dizer qual deles é adequado? No máximo, eu posso dizer que um mapa é incoerente porque usa duas escalas ao mesmo tempo, por exemplo. Mas, retiradas estas inconsistências técnicas, como determinar qual mapa representa melhor o território?

No parágrafo seguinte, a meu ver, Bosch se mete num beco-sem-saída:

Para a pessoa cristã, isto significa que qualquer mudança de paradigma só pode ocorrer com base no evangelho e por causa do evangelho, porém jamais contra ele (...). Ao contrário das ciências naturais, a teologia se relaciona não só com o presente e o futuro, mas também com o passado, a tradição, o testemunho primordial de Deus aos seres humanos (...). Não há dúvida de que a teologia sempre precisa ser relevante e contextual (...), contudo nunca se pode buscar isso a expensas da revelação de Deus na história de Israel e através dela e, principalmente, no evento de Jesus Cristo (...). Os cristãos levam a sério a prioridade epistemológica de seu texto clássico, as Escrituras. [p. 234]

Admito que não entendo exatamente o que quer dizer "prioridade epistemológica". Mas, a julgar pelo contexto, dá para ver que Bosch tenta reestabelecer a Bíblia como referencial para julgar a validade de posições teológicas. A revelação seria o território, e a ela devemos comparar nossos mapas. E aí a porca torce o rabo: já de início nós admitimos que não temos acesso direto a essa revelação. Na página 228, ele afirma que "na mais antiga tradição de Jesus, os ditos de Jesus já eram afirmações sobre Jesus" (grifos do autor). Como pode, agora, defender que a teologia não pode prescindir da revelação de Deus no evento de Jesus Cristo?

Verdade seja dita: Bosch percebe o que está fazendo e tenta se consertar no parágrafo seguinte.

Sei que, com a afirmação acima, dificilmente solucionei qualquer problema. As Escrituras vêm a nós em forma de palavras humanas, que já são "contextuais" (no sentido de terem sido redigidas para contextos históricos muito específicos) e, ademais, suscetíveis de interpretações distintas. Mas, ao fazer essa afirmação, estou sugerindo um "ponto de orientação" que todas as pessoas cristãs compartilham (ou deveriam compartilhar) e a partir do qual o diálogo entre elas se viabiliza. Nenhum indivíduo ou grupo possui aqui um monopólio. Assim, a igreja cristã deveria funcionar como uma "comunidade hermenêutica internacional" (...) em que cristãos (e teólogos) de diferentes contextos questionam, reciprocamente, seus vieses culturais, sociais e ideológicos. [p. 234]

Ok: a Bíblia pode servir como critério para avaliação das formulações de fé cristãs. Claro que, se ela mesma permite intepretações distintas e válidas, o mesmo valerá para as interpretações contemporâneas da fé: diferentes teologias e doutrinas poderão conviver e dialogar entre si. Tudo muito bom, tudo muito bem... Mas e quanto às pessoas e aos grupos fora dos nossos "arraiais"? As interpretações judaicas/ateístas/agnósticas/budistas/islâmicas/espíritas/xintoístas (etc.) são automaticamente menos válidas que as nossas? Com base em que poderíamos afirmar isso? Enfatizar o "evento-Cristo" não soluciona a questão: se os evangelistas interpretam e apresentam Jesus de diferentes maneiras igualmente válidas, e as próprias igrejas cristãs fazem o mesmo, como negar a validade das interpretações que judeus, islâmicos, espíritas, budistas (etc) fazem de Jesus?

Como se trata de um livro sobre missiologia, estou curiosa para ver como será tratada a questão da relação entre o cristianismo e outras religiões/cosmovisões... Para mim, porém, o apelo às "Escrituras" ou à tradição fala cada vez menos. Não posso mais defender a superioridade do cristianismo sobre outras religiões (ou sobre a "não religião", por falar nisso). E, no momento, não me sinto capaz de aderir incondicionalmente a qualquer doutrina cristã...

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Notas rápidas e um convite

Caríssimos: o Coral ANSEncanta vai participar da Festa do Dia das Crianças da Sociedade dos Amigos da Pediatria do Hospital Gaffrée e Guinle (SAPE), que acontece sábado que vem, dia 17 de outubro, no Museu Militar Conde de Linhares. É a segunda apresentação pública do Coral, e a primeira desde que eu comecei a participar dele. O repertório inclui California Dreaming e Esperando na Janela, entre outras. Só o horário desanima: 9h da manhã... Nem minha mãe vai :( Mas fica o convite, caso alguém se anime a madrugar.

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A Conrad lança este mês a versão em quadrinhos do livro de Gênesis ilustrada por Robert Crumb a partir da tradução do Robert Alter. Já está na minha lista de desejos! (Via Carta Capital)

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Saiu no mês passado o site brasileiro do Bookcrossing (que anda parado aqui no Rio). Ficou muito legal, e é totalmente integrado com o site oficial - minha estante, que também anda parada, fica aqui.

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Pra quem gosta de arte urbana (ou de coisas bacanas em geral), este vídeo vale a pena (Via BizarroBlog):




E tá bom pra semana, né?

domingo, 11 de outubro de 2009

Preciosas Ilusões...



A moça é a cantora e compositora Regina Spektor. A música é Eet, de Far, seu último álbum. E a razão para eu postar o vídeo são estes versos:
It's like forgetting the words to your favorite song.
You can't believe it; you were always singing along.
It was so easy and the words so sweet.
You can't remember; you try to move your feet.
It was so easy and the words so sweet.
You can't remember; you try to feel the beat...
Me lembro de quando ouvi esta música na minha última viagem a Belo Horizonte, sozinha no ônibus que me levou de Confins à Pampulha. Não foi a primeira vez que ouvi, mas foi só lá que me dei conta do quanto esta música tem a ver com o que estou vivendo. Hoje encontrei o vídeo e o sentimento voltou. É mesmo como esquecer a letra da minha música favorita, que eu sempre cantava junto. Era tão fácil, e as palavras tão doces... Mas não consigo me lembrar, por mais que tente mexer os pés e sentir a batida...

Sim, era tão fácil, tão doce, fechar os olhos e cantar junto... Mas agora meus pés parecem ter esquecido a batida (ok, metáfora ruim: sempre tive dois pés esquerdos, rs), as palavras fogem da língua, as doutrinas escapam pelos meus dedos. E eu sinto, ao mesmo tempo, alívio e saudade.

Alívio, porque as doutrinas e tradições eram um peso. Não que eu me sentisse oprimida ou amordaçada por elas - cresci num ambiente nada fundamentalista, e aprendi rápido a colocar em perspectiva comentários como "Ouvir música do mundo/Faltar a Igreja/etc, etc, etc é pecado". E sempre fui uma "boa menina", em geral, sem grandes rebeldias adolescentes.

Não, não sou um dos muitos feridos em nome de Deus. Mas as doutrinas eram os óculos que eu usava para ler a Bíblia e o mundo. Eu podia até perceber que eles não funcionavam muito bem para ler o mundo, mas foi preciso ir ao Seminário para que caísse a ficha de que os óculos também não serviam para ler a Bíblia.

Me disseram que a Bíblia É a Palavra de Deus, que era absurdo dizer que ela "contém" a Palavra. E eu pensava, quietinha comigo, sem ousar dizer as palavras: "Mas peraí, pra que Deus ia querer aquele monte de genealogias em 1Crônicas??" Bobagens de adolescente, talvez. Mas comecei a estudar Teologia, e conhecer uma outra perspectiva sobre a Bíblia. Livre do peso de ser "A Palavra de Deus", ela já não se apresenta a mim como um livro narrando uma única história (o plano da salvação), mas uma coletânea de textos que dialogam e combatem entre si, testemunhos das crenças, dúvidas, lutas e paixões de pessoas que viveram num mundo muito diferente do meu, mas que, como eu, amaram, choraram, odiaram, cantaram, riram... Pra mim, a Bíblia só ganha com isso. E meus olhos brilham ao vê-la diante de mim, pedindo para ser explorada - não para encontrar nela as doutrinas que eu já tinha, mas para ouvir vozes de um passado tão distante que só pode chegar até mim em fragmentos que eu provavelmente nunca serei capaz de juntar num quadro único e coerente.

Mas tenho saudades... Saudades do tempo em que eu sabia direitinho a letra da música, saudades das minhas certezas, saudades dos meus mitos. Não, não quero abandoná-los todos, não agora, mas eles me escapam. E sinto, desde já, saudades destas preciosas ilusões, que não me deixaram na mão quando eu estava indefesa. Abandoná-las é como dizer adeus a amigos de infância...

but this won't work now the way it once did
and I won't keep it up even though I would love to
once I know who I'm not then I'll know who I am
but I know I won't keep on playing the victim

these precious illusions in my head did not let me down when I was defenseless
and parting with them is like parting with invisible best friends
<...>
and though I know who I'm not I still don't know who I am
but I know I won't keep on playing the victim

these precious illusions in my head did not let me down when I was a kid
and parting with them is like parting with a childhood best friend
-------
P.S.: Enquanto eu procurava o vídeo desta última música, encontrei este cover de My Humps, do Black Eyed Peas. Perfeito pra colocar um tom mais alegre neste post :-)

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Ainda sobre chorar com os que choram

Nos comentários, Harlyson Lopes Vieira perguntou:

O que é "chorar com os que choram" para ti?
Num sentido bem prático, chorar com os que choram (e se alegrar com os que se alegram) é pra mim se identificar com o sofrimento ou com a alegria de outra pessoa. Não é algo que se possa forçar, é fruto de amor - não do sentimentalismo, mas do compromisso de levar outro ser humano em consideração. É o antídoto do triunfalismo, porque mesmo quando recebo a maior das bênçãos eu me lembro dos que não foram ou não se sentem abençoados. É também o antídoto do pessimismo, porque mesmo na tragédia eu percebo que ainda há beleza no mundo.

Chorar com os que choram é deixar de ser Pollyanna, tentando ver motivos de riso até na boneca que nunca se ganhou de Natal. Tiago 5:13 diz: "Está alguém entre vós aflito? Ore. Está alguém contente? Cante louvores." Simples e claro, nada daquela bobagem de "Quem tem Jesus [...] está sempre sorrindo, mesmo quando não dá". Nas palavras de um sábio comentarista da JUERP: "Sorrir mesmo quando não dá? Não dá!" Como já disse um outro sábio, muito antes, "Há tempo de chorar e tempo de rir".

Se alegrar com os que se alegram é deixar de ser como a hiena do desenho. Tristeza não tem fim, e muitas vezes a gente cede à tentação de achar que nada dá certo, que Deus se esqueceu... Não estou falando, claro, das grandes dores, mas das decepções cotidianas, daquelas mágoas que vistas de longe parecem ínfimas, mas que são intensas pra quem sente (dor-de-cotovelo, por exemplo, ou a milésima promoção perdida para alguém menos capacitado).

Enfim, chorar e alegrar-se mutuamente é reconhecer o belo e o feio da vida. Nas palavras do Sergio Pimenta, é amar o seu próximo "como se a dor que ele sente fosse a que sente você".

domingo, 6 de setembro de 2009

Da arte de chorar com os que choram

No último dia 21 de agosto, a Igreja Luterana Evangélica dos EUA (ELCA, na sigla em inglês), decidiu aceitar que homossexuais em relacionamentos estáveis assumam ministérios - inclusive o pastorado. Obviamente, muitas discussões precederam as votações. A pastora Nadia Bolz-Weber, líder da igreja House for All Sinners and Saints (Casa para Todos os Pecadores e Santos), uma das participantes, registrou suas impressões num sermão baseado em João 6.56-69, que pode ser lido no blog Sarcastic Lutheran.

A descrição que Nadia faz da assembleia lembra bastante qualquer reunião onde um assunto polêmico é discutido: discursos inflamados (mas nem sempre inspirados) de ambos os lados, e a sensação clara de que eu é que estou certo, e de que, se Jesus estivesse entre nós, certamente estaria do meu lado. Mas eis que um orador toma timidamente a palavra e, antes de qualquer coisa, confessa estar apavorado, tremendo de medo de falar, e pede que orem por ele. E o homem ao seu lado, que defendia o ponto de vista oposto, simplesmente pôs a mão em seu ombro e orou enquanto ele falava.

Este gesto simples fez Nadia humildemente reconhecer: por mais que ela e sua comunidade tivessem, sim, o direito de celebrar a vitória, não poderiam esquecer aqueles que perderam. Jesus não está nem "do lado deles" nem "do nosso lado", ele está no meio oferecendo a todos perdão. Nossas convicções, crenças e interpretações da Bíblia são importantes, mas não são as palavras da vida eterna. Mas é tão difícil deixar de confundir estas coisas...

Há muito tempo me sinto desafiada por (e intrigada com) Romanos 12.15: "Alegrai-vos com os que se alegram, chorai com os que choram". É um conselho simples na aparência, mas quando se vive em comunidade é inevitável que os momentos de tristeza venham junto com os momentos de alegria: Maria passou no vestibular, Pedro perdeu o avô. Pode Pedro rir com Maria, e Maria chorar com Pedro?

O sermão da pastora Nadia me apresenta um novo desafio: como agir quando a minha alegria é a causa da tristeza do outro? Criticamos o conservadorismo ou o liberalismo dos outros, e acabamos nos esquecendo de que eles não são só um bando de fundamentalistas estraga-prazeres, nem um monte de loucos rasgando Bíblias: dos dois lados há pessoas que procuram ser fiéis a Deus, que se entristecem profundamente com o que consideram ser desvios da "sã doutrina". Meu copo de vinho ou minha saia comprida valem mais do que estas pessoas?

Pode Pedro rir com Maria, e Maria chorar com Pedro, se é a alegria dela que fere seu irmão?

sábado, 13 de dezembro de 2008

Notas diversas

A Câmara aprovou um projeto de Lei que obriga bibliotecas públicas a possuírem pelo menos uma Bíblia em seu acervo. Na justificativa, o deputado Filipe Pereira apela para a "sólida tradição cristã" do povo brasileiro e argumenta que as Bíblias nas bibliotecas seriam uma boa alternativa para as "pessoas carentes para as quais a aquisição de livros, em face de suas rendas precárias, apresenta-se impossível". Ok, por onde começar a dizer o que vejo de errado nessa idéia? Acredito que qualquer bibliotecário digno do seu juramento só pode ficar arrepiado diante da possibilidade de ser obrigado a ter ou não ter qualquer material em sua biblioteca. Especialmente se é uma biblioteca pública! A comunidade atendida é majoritariamente cristã? Beleza, que venham as Bíblias. Mas e os espíritas? Não têm direito às obras de Kardec, Chico Xavier, ou, sei lá, dos Gasparettos? Sem falar que as Bíblias de católicos e protestantes são ligeiramente diferentes... Se a biblioteca compra um exemplar protestante, os católicos não ficarão prejudicados? Enfim, que tal darmos condições aos bibliotecários para atender às suas comunidades, em vez de ficar ditando o que eles devem pôr ou tirar das estantes?

***

Confesso: sou uma admiradora da arte urbana: grafites, pinturas, todo tipo de intervenção que deixe a cidade mais interessante. Nestes dias (acho que graças a um e-mail), descobri o artista britânico Slinkachu, que desde 2006 desenvolve o "Little People Project", com bonequinhos minúsculos interagindo com a cidade: um casal se beijando na beira do rio, um homem segurando um fósforo com o dobro de sua altura diante de um carrinho incendiado, um grupo numa lancha navegando uma poça, uma briga... No site dá pra conferir também três imagens do mais novo projeto de Slinkachu, com caramujos "decorados".

domingo, 6 de julho de 2008

Sobre o Tempo

Um dos textos da Bíblia que mais me desafia ultimamente é a passagem sobre o tempo em Eclesiastes 3.1-8:

Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu:
há tempo de nascer e tempo de morrer;
tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou;
tempo de matar e tempo de curar;
tempo de derribar e tempo de edificar;
tempo de chorar e tempo de rir;
tempo de prantear e tempo de saltar de alegria;
tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntar pedras;
tempo de abraçar e tempo de afastar-se de abraçar;
tempo de buscar e tempo de perder;
tempo de guardar e tempo de deitar fora;
tempo de rasgar e tempo de coser;
tempo de estar calado e tempo de falar;
tempo de amar e tempo de aborrecer;
tempo de guerra e tempo de paz.

Quando lembro deste texto, a primeira coisa que me passa na cabeça é: Se é verdade que há tempo para todo propósito, onde foi parar o meu? Por que as horas parecem escapar dos meus dedos, como água, e o que sobra parece insuficiente para matar a sede? Agora mesmo, neste domingo à noite, bate o desânimo de ir para a cama e encarar outra semana num trabalho que me dá poucas alegrias e muitas decepções... Outro final de semana passou, e sinto que não o aproveitei tanto quanto gostaria/poderia. E olha que até que curti este domingo: ouvi Leonardo Boff na Igreja Cristã de Ipanema, almocei e fui à feira hippie com duas amigas que não via há tempos. Mas ainda fica o gosto de quero mais, mesmo sem saber o que é esse "mais" que tanta falta me tem feito.

Releio o texto de Eclesiastes e percebo suas marcações: há tempo para amar, mas também para odiar; há tempo para nascer e também para morrer. No corre-corre cotidiano, tudo também é marcado: hora de acordar, hora de almoçar, hora de voltar pra casa. No entanto, me parece que há uma diferença entre estas "horas" e aqueles "tempos". Nossas horas são para serem cumpridas, os tempos do pregador são para serem vividos e pensados. As horas se impõem, os tempos se apresentam. E, se prestamos muita atenção às horas, acabamos perdendo de vista os tempos: perdemos a época de plantar, choramos quando deveríamos rir, deixamos passar a oportunidade de abraçar.

Até aqui falei do dia-a-dia. Mas o texto de Eclesiastes também me lembra dos "tempos" da nossa vida, com seus altos e baixos, suas pequenas alegrias e grandes tristezas (e vice-versa), seus contratempos e boas surpresas. Já não sou mais criança, já saí da adolescência, mas ainda não consigo pensar em mim como adulta - fico naquele limbo da juventude. Já tenho meu emprego, já pago minhas contas, sou plenamente responsável pelos meus atos. O que falta para passar daqui para lá? E outras mil perguntas surgem: até quando continuar neste emprego? O que vou fazer depois do seminário? Será que o casamento é pra mim? Será que Deus tem um plano detalhado para a minha vida, ou será que estou construindo esse caminho a cada dia, com as minhas escolhas?

Não tenho as respostas, mas vou continuar procurando. Afinal, ainda há tempo...

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Ouvindo: Bob Dylan - Father of Night
via FoxyTunes

segunda-feira, 24 de março de 2008

Segunda-feira de quê?

Estava pensando ontem, domingo de Páscoa, naqueles versos do Drummond: "o amor é isso que você está vendo: hoje beija, amanhã não beija, depois de amanhã é domingo e segunda-feira ninguém sabe o que será." O que isso tem a ver com a Páscoa? Bem, a sexta-feira é da Paixão, o sábado é de Aleluia, o domingo é da Ressurreição... Mas e a segunda-feira? Alguém sabe o que será?

Para os que não foram criados em igreja, e/ou só aparecem lá pra casamentos, sexta é feriado (oba!) e dia de comer peixe, e domingo é dia daquele belo almoço em família com direito a troca de chocolates. Já os que, como eu, são cristãos, aprenderam no catecismo ou na escola bíblica que Jesus morreu na sexta, que, por isso, é um dia de tristeza. Domingo é dia de alegria: ele ressuscitou, voltou à vida. Mas e segunda-feira?

A pergunta começou a martelar na minha cabeça justamente quando eu pensava numa mensagem pra esta Páscoa - já é um hábito meu mandar mensagens pros amigos mais chegados nessas grandes datas (Páscoa e Natal/Ano Novo), e eu estava chateada de não ter pensado em nada este ano. Mas lembrei do Drummond, e decidi escrever uma mensagem pós-Páscoa mesmo.

Pensando mais um pouco, lembrei destas palavras de Paulo: "Se é somente para esta vida que temos esperança em Cristo, somos, de todos os homens, os mais dignos de compaixão". (1ª Carta de Paulo aos coríntios, capítulo 15, versículo 19 - quem não tem Bíblia pode conferir online). Corinto ficava na Grécia, e quem estudou filosofia deve lembrar que alguns gregos achavam que o corpo era a prisão da alma. Pra quem pensava assim, era bem difícil entender a ressurreição. Por isso, Paulo dedicou o capítulo 15 de ICoríntios a esse tema, mostrando que se não há ressurreição, Cristo não ressuscitou, e se ele não ressuscitou, a nossa fé - ou seja, a fé cristã - é inútil (v. 12-17). Mas não é assim: Jesus ressuscitou, e abriu caminho pra gente: nós também, se cremos nele, vamos vencer a morte (v. 55-57).

É por isso que Paulo diz que, se a nossa fé em Cristo é só para esta vida, somos dignos de compaixão, de pena mesmo. Naquele tempo, ser cristão era dureza. Muitos morreram por causa dessa fé. Não teria mesmo propósito alguém se arriscar a virar almoço de leão no Coliseu por causa de um carinha legal que, coitado, morreu. Mas, se é verdade que aquele "carinha legal" venceu a morte, a coisa muda de figura; e foi por crerem nisso que tantos cristãos se recusaram a negar sua fé e morreram: eles confiavam que também venceriam a morte.

Ainda hoje perseguições desse tipo acontecem em alguns lugares pelo mundo, mas aqui na nossa pátria amada ser cristão é absolutamente normal. Eu, pelo menos, nunca me senti discriminada por ser cristã - mesmo quando deixei de ir ou saí mais cedo de alguns encontros dominicais porque tinha de ir à igreja. Mas a palavra de Paulo ainda vale: se a nossa fé em Deus se limita a pedir proteção pra andar de ônibus no Rio de Janeiro, ou àquela visita esporádica à missa ou ao culto, ou mesmo ao trabalho intenso na igreja, a nossa fé não serve pra muita coisa. Deus quer nos dar uma vida nova e bela, quer que a gente viva intensamente hoje sem esquecer o amanhã: "Siga por onde o seu coração mandar, até onde a sua vista alcançar; mas saiba que por todas essas coisas Deus o trará a julgamento" (Eclesiastes 11.10b - não é lindo esse texto?).

Cristãos ou não, cada um de nós acredita em alguma coisa (em Deus, no amor, em nós), e constrói a sua vida com base nessa fé. Tem dias que a gente separa pra lembrar dessas coisas em que acreditamos: datas como Páscoa e Natal, um aniversário, a virada do ano. Mas, no dia-a-dia, a gente "faz tudo sempre igual" (grande Chico Buarque...) e esquece dessa coisa maior que dá sentido ao que fazemos. Meu desejo é que, nesta segunda e pelas próximas, a gente consiga sempre lembrar da razão da nossa esperança.

Beijos, e boas Páscoas!

segunda-feira, 17 de março de 2008

Pra Páscoa (do ano que vem?)

Nota rápida: está no site Louvor Brasil, do Gustavo "K-fé" Frederico, uma sugestão de liturgia pascal elaborada por esta humilde blogueira... Sei que está em cima para este ano, mas pro ano que vem, quem sabe? Críticas e sugestões são bem-vindas!

A propósito, o Louvor Brasil merece ser mais prestigiado pelas mentes pensantes e criativas do cristianismo brasileiro: é uma página aberta a contribuições para o louvor e o culto comunitário, e tem espaço também para paródias e reflexão. Espero contribuir mais por lá.

quinta-feira, 13 de março de 2008

Estudo Sobre Oração, parte I: Por que orar?

Nestes primeiros meses de 2008, estou dirigindo um estudo sobre a oração na Escola Bíblica Dominical de minha igreja. A revista básica é Oração: o poder de intercessão da igreja, de Samuel Figueira. Além dela, adotei como referência o livro Oração: ela faz alguma diferença?, de Philip Yancey. Foi a partir dele que refletimos sobre aquela perguntinha fundamental: Por que precisamos orar? Engraçado que a revista coloca essa pergunta lá na terceira lição. Mas, convenhamos, se eu nem sei porque eu oro, porque vou me preocupar em, por exemplo, encontrar tempo pra isso? Perguntar “Por quê?” é sempre o começo de uma aventura e/ou de uma dor de cabeça. E como eu já aprendi no Castelo Rá-Tim-Bum, “'Porque sim' não é resposta” :-)

Entender porque oramos é mais difícil do que pode parecer. Claro, podemos ficar com a resposta simples: “Porque Deus nos manda orar”. É verdade, a Bíblia está cheia de mandamentos sobre oração: Jeremias 33.3 (o “ddd de Deus”), Mateus 7.7, Isaías 55.6... Mas essa resposta não esgota o assunto: quem já não pensou com seus botões algo parecido com esta simples pergunta: “Pera, se Deus sabe de todas as coisas, por que orar?” Quem não se perguntou, parafraseando o Romário: “Orar pra quê, se Deus já sabe o que fazer?” Se Ele soberanamente já decidiu o meu futuro, de que vai adiantar orar por aquela pessoa especial, pelo emprego, por saúde, ou mesmo pela salvação de um alguém querido?

Para compreender o porquê, temos que pensar primeiro no quê: o que é oração? Vem imediamente ao pensamento a resposta aprendida na infância ou na classe de doutrinas: “Orar é falar/conversar com Deus”. Essa simples resposta diz muita coisa. Falamos muito que precisamos cultivar um relacionamento com Deus, e eu não escolhi a palavra “cultivar” por acaso. Como as plantas, relacionamentos precisam ser regados, adubados, tratados. E nada alimenta melhor um relacionamento do que o diálogo. Amigos não são aqueles que se vêem todos os dias, são aqueles que se conhecem – e como posso ser conhecida, se não compartilho com o outro o que me alegra, o que me aflige, o que chateia, o que me entristece?

Já deu pra ver onde quero chegar: se oração é falar com Deus, então ela é o adubo do meu (do seu, do nosso) relacionamento com Ele. Ninguém questiona a importância do diálogo num casamento, ninguém deixa de desabafar com um amigo mesmo sabendo que a conversa não muda a realidade (o desabafo não vai fazer o chefe deixar de ser um chato de galochas). Então, por que ter crise com a oração?

Ainda não terminei o livro do Yancey, mas já deu para captar a idéia dele de que, para entender a utilidade/necessidade da oração, é preciso primeiro mudar o ponto de vista. Não oramos para mudar a vontade de Deus. Não oramos para contar a Ele aquilo que Ele já sabe. Oramos para estabelecer um relacionamento com Ele. E, nesse relacionamento, eu cresço - aliás, não é isso que acontece em qualquer relacionamento? Quando me abro sobre as minhas frustrações e medos, descubro que eles são menores do que eu imaginava. Quando peço pela salvação da minha irmã, percebo que Deus está ainda mais triste do que eu com esta situação. Quando penso no porque Ele me chamou para o Seminário num momento em que minha vida estava tão difícil, vejo Sua Providência e aprendo a descansar n'Ele - e de repente as coisas não estão mais tão ruins. Não oro mais para tentar mudar a vontade dele, mas para descobrir onde me encaixo nessa vontade. Oro para me conhecer e para conhecer Aquele que me criou – e que, de tanto me amar, me salvou. Pra resumir: oramos para ter intimidade com o Pai.

domingo, 2 de março de 2008

Viva e Eficaz

"[O]s fiéis, e nomeadamente as pessoas cultas nas ciências sagradas ou profanas, querem saber o que Deus disse nas Sagradas Escrituras, e não tanto o que um fecundo orador ou escritor usando com destreza as palavras da Bíblia, é capaz de nos dizer. A palavra de Deus 'viva e eficaz, mais cortante que uma espada de dois gumes, penetrante até dividir alma e espírito, articulações e medulas, capaz de destrinçar pensamentos e sentimentos do coração' não precisa de artifícios e adaptações humanas para mover e abalar os corações; as Sagradas Páginas escritas sob a inspiração do Espírito de Deus são de per si ricas de sentido próprio; dotadas de força divina, são poderosas por si mesmas; ornadas de supremo esplendor por si mesmas brilham e resplandecem, se o intérprete com uma explicação fiel e completa sabe desentranhar todos os tesouros de sabedoria e prudência que nelas estão encerrados." (citação da Encíclica Divino Afflante Spiritu, sobre os estudos bíblicos)
Sabe quando você lê um texto que expressa exatamente aquelas idéias meio sem forma na sua cabeça? Tem até uma passagem interessante do George Orwell em 1984 sobre isso, vou resgatar e posto aqui depois. Eu só não imaginava ter um desses momentos lendo uma encíclica papal - muito menos uma assinada pelo Papa Pio XII, aquele acusado de fazer vista grossa para o Holocausto. Mas fui surpreendida pela citação aí em cima quando lia a Divino Afflante Spiritu, que, entre outras coisas, estimula o estudo científico das Escrituras, incluindo a análise dos manuscritos nas línguas originais.

Que vontade de estampar essa frase numa camiseta! Especialmente o trecho que diz que a Palavra "não precisa de artifícios e adaptações humanas para mover e abalar os corações" (tá, ia ter que ser uma camiseta bem grande...). Nós, protestantes/evangélicos orgulhosos do "Sola Scriptura", desprezamos o apego dos católicos à Tradição, mas muitas vezes caímos no erro de tentar dar uma ajudinha para a Bíblia. Não basta uma pregação com conteúdo bíblico, queremos um pregador carismático, dinâmico, quase um popstar.

Não estou dizendo que os pastores deveriam adotar o estilo paradão, se limitando a ler a Bíblia com voz clara e pausada, pra todo mundo entender. Eu também dormiria com uma pregação dessas :-) Só acho que, se a Bíblia parece não ser suficiente para atrair as pessoas, a falha não está na Bíblia...

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