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domingo, 28 de março de 2010

Banana: o pesadelo criacionista

Neste vídeo, de 2006, os tele-evangelistas Ray Comfort e Kirk Cameron apresentam a teoria de que bananas são o pesadelo dos ateus:



O vídeo causou uma pequena sensação na internet - até Richard Dawkins se referiu a Comfort como banana-man durante uma palestra. Mas, se o objetivo era convencer algum ateu a se arrepender dos seus maus caminhos, Comfort e Cameron falharam. Não bastasse o humor involuntário do vídeo (em que Comfort mostra com gestos como a banana "se encaixa perfeitamente" em sua mão e em sua boca), os argumentos utilizados não resistem a um exame mínimo de sua consistência.

Vamos aceitar, por agora, a ideia de que um Criador desenhou a banana com a intenção de que torná-la perfeita para o consumo humano. Ora, se isso é verdade, por que ele não fez o mesmo com outras frutas, como o coco e o abacaxi? Ou por que as azeitonas são amargas (já se perguntou por que as azeitonas vêm imersas num líquido salgado? É que sem isso você não conseguiria comê-las.)? Ou seja: o argumento de que a banana seria prova da existência de Deus é um exemplo de falácia indutiva: formou-se uma regra geral (A banana é desenhada para os seres humanos, portanto existe um Deus Criador) com base numa amostra que não representa o todo. Na mesma linha de pensamento, Widson Reis (do blog Dragão de Garagem) propôs o argumento do pequi: se a banana testemunha que existe um Criador, os espinhos do pequi dão testemunho de que esse Criador tem senso de humor - negro.

Mas, será que poderíamos mesmo considerar a banana como evidência a favor da ideia de que o Universo foi criado por Deus? A resposta é não. As bananas selvagens têm sementes grandes e duras e um formato que lembra mais uma batata. As bananeiras "domesticadas" não são capazes de se reproduzir sozinhas: elas são o resultado de mutações e da interferência humana. Você pode ver mais sobre isto neste artigo do Skpecticwiki (em inglês) ou nos vídeos de Nick Gisburne, do site Smoking Gun, e do programa de rádio Atheist Experience (este e este). A conclusão: as bananas que a gente compra no mercado são uma criação humana - ou, se você preferir, um aperfeiçoamento humano sobre a criação divina.

Uma das mais conhecidas leis da internet, a Lei de Poe, sustenta que, "sem um emoticon ou outra clara exibição de humor, é impossível criar uma paródia fundamentalista sem que outras pessoas a tomem como verdade". Isto acontece porque muitas vezes os argumentos fundamentalistas beiram o ridículo, e este vídeo é um exemplo claro disto. Ray Comfort joga para a plateia: apresenta um punhado de argumentos supostamente lógicos com o intuito de provar o que os crentes já sabem, sem esconder um certo desprezo pelos não crentes incapazes de perceber o óbvio. Num "pedido de desculpas" publicado em 2009 - que serve de chamariz para um desafio a Richard Dawkins - Comfort alega que não sabia que a banana tinha sido domesticada pelo homem (e acrescenta mais uma pérola à sua coleção, insinuando que o homem usou a inteligência dada por Deus para fazer com que os cachorros coubessem nos carros). Como esperar que cientistas levem a sério quem nem se dá ao trabalho de tentar fundamentar suas ideias em fatos? Como esperar que qualquer pessoa com um mínimo de senso comum leve a sério quem despreza sua inteligência?

E a pergunta que me martela a cabeça: se o Cristianismo ainda é relevante para a sociedade ocidental contemporânea, e se a doutrina de um Deus Criador é essencial ao Cristianismo, será que não é possível defender Cristianismo e Criacionismo sem cair no ridículo?

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Nota Rápida: Pat Robertson e a "causa" do terremoto no Haiti

Para o tele-evangelista americano Pat Robertson, o terremoto no Haiti é uma entre muitas desgraças causadas por um pacto coletivo que a população daquele país teria feito com o Diabo, para conseguirem se libertar da França... Quem tiver estômago pode conferir o vídeo com legendas em espanhol. Como antídoto, recomendo este comentário de Keith Olbermann, de quem eu nunca tinha ouvido falar, mas que já ganhou meu respeito. Faço minhas as suas palavras (notícia lida no Videogum).


"You serve no good, you serve no God."

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

O fator fé

O Raul, meu colega de Seminário (atualmente em "licença-paternidade"), deixou o seguinte comentário no meu post sobre o livro Missão Transformadora:

"quanto a sua última resposta de incerteza gostaria de lhe fazer uma pergunta: e o fator FÉ?"


A "última resposta de incerteza", creio, seria este trecho:

Para mim, porém, o apelo às "Escrituras" ou à tradição fala cada vez menos. Não posso mais defender a superioridade do cristianismo sobre outras religiões (ou sobre a "não religião", por falar nisso). E, no momento, não me sinto capaz de aderir incondicionalmente a qualquer doutrina cristã...


Caro Raul, o "fator fé" é justamente parte do problema. A fé cristã não é única e imutável, existem diversas fés possíveis, e cada uma delas encontra apoio em uma interpretação da Bíblia. Há cristãos sinceros que defendem que Deus determinou que X pessoas serão salvas e Y pessoas serão condenadas ao inferno. Há cristãos sinceros que acreditam que a salvação depende exclusivamente de uma decisão pessoal. Houve cristãos sinceros que acreditavam que obrigar alguém a se converter é um ato de amor - hoje, ninguém mais defenderia isto (pelo menos não em público). Há cristãos sinceros que acreditam que Deus está matando soldados no Iraque para punir quem tolera os gays, há cristãos sinceros que são homossexuais. Como saber qual destas posturas é a correta? O que significa esse "fator fé"?

domingo, 8 de novembro de 2009

Estou lendo Missão Transformadora, de David J. Bosch (3. edição, Ed. Sinodal, 2009), para a disciplina Fundamentos da Missão. Destaco aqui alguns trechos do capítulo 5, Mudanças de paradigma na missiologia, que me fizeram pensar...


É claro que sempre houve cristãos (e teólogos!) que achavam que sua compreensão da fé era "objetivamente" exata e, deveras, a única interpretação autêntica do cristianismo. Tal atitude, no entanto, baseia-se numa perigosa ilusão. Nossos pontos de vista constituem sempre meras interpretações do que consideramos ser a revelação divina, não a revelação divina em si (e essas interpretações são profundamente configuradas por nossas autocompreensões). Sustentei, nos capítulos precedentes, que nem mesmo os livros bíblicos que examinamos são, como tais, registros da revelação divina; eles constituem interpretações dessa revelação. [...] Ninguém recebe o evangelho de maneira passiva; cada qual, naturalmente, reinterpreta-o. [p. 228, grifo do autor]
De fato, sempre houve (e há!) cristãos que consideram que suas compreensões da fé são as únicas autênticas. E, geralmente, todos apelam para a Bíblia para justificar essas compreensões. Se aceitamos a visão de Bosch (que é também a opinião de muitos teólogos) de que os próprios livros bíblicos não são registros, mas interpretações da revelação, dá para entender porque grupos tão diferentes quanto calvinistas e arminianos ou carismáticos e "tradicionais" conseguem justificar-se biblicamente. A Bíblia não é homogênea, ela contém diferentes visões de mundo, de Deus, da igreja e da fé.

Até aqui, tudo bem - o autor mantém sua coerência. Vejamos o próximo trecho.

Em vez de ver minha própria interpretação como absolutamente correta e todas as demais, por definição, como errôneas, reconheço que diferentes interpretações teológicas, incluindo a minha, refletem contextos, perspectivas e vieses distintos. Isso não significa, todavia, que eu considere todas as posições teológicas igualmente válidas ou que aquilo em que as pessoas crêem não tem importância. Pelo contrário. Farei o possível para compartilhar minha compreensão de fé com outros, enquanto lhes concedo o direito de fazer o mesmo. Entendo que minha abordagem teológica é um 'mapa', e que um mapa jamais constitui o 'território' em si (...). Embora eu creia que meu mapa seja o melhor, aceito que haja outros e que, pelo menos em teoria, um desses mapas possa ser melhor que o meu, visto que só tenho acesso a um conhecimento parcial (cf. 1Co 13.12). [p. 234]
Acho que aqui as coisas começam a se enrolar. Se aceitamos que "diferentes interpretações teológicas (...) refletem contextos, perspectivas e vieses distintos", que critério podemos usar para determinar que posições são válidas? Gosto da metáfora dos mapas, mas, neste caso, temos que admitir que nenhum de nós tem acesso ao território. Se só tenho em mãos os mapas, que critérios posso usar para dizer qual deles é adequado? No máximo, eu posso dizer que um mapa é incoerente porque usa duas escalas ao mesmo tempo, por exemplo. Mas, retiradas estas inconsistências técnicas, como determinar qual mapa representa melhor o território?

No parágrafo seguinte, a meu ver, Bosch se mete num beco-sem-saída:

Para a pessoa cristã, isto significa que qualquer mudança de paradigma só pode ocorrer com base no evangelho e por causa do evangelho, porém jamais contra ele (...). Ao contrário das ciências naturais, a teologia se relaciona não só com o presente e o futuro, mas também com o passado, a tradição, o testemunho primordial de Deus aos seres humanos (...). Não há dúvida de que a teologia sempre precisa ser relevante e contextual (...), contudo nunca se pode buscar isso a expensas da revelação de Deus na história de Israel e através dela e, principalmente, no evento de Jesus Cristo (...). Os cristãos levam a sério a prioridade epistemológica de seu texto clássico, as Escrituras. [p. 234]

Admito que não entendo exatamente o que quer dizer "prioridade epistemológica". Mas, a julgar pelo contexto, dá para ver que Bosch tenta reestabelecer a Bíblia como referencial para julgar a validade de posições teológicas. A revelação seria o território, e a ela devemos comparar nossos mapas. E aí a porca torce o rabo: já de início nós admitimos que não temos acesso direto a essa revelação. Na página 228, ele afirma que "na mais antiga tradição de Jesus, os ditos de Jesus já eram afirmações sobre Jesus" (grifos do autor). Como pode, agora, defender que a teologia não pode prescindir da revelação de Deus no evento de Jesus Cristo?

Verdade seja dita: Bosch percebe o que está fazendo e tenta se consertar no parágrafo seguinte.

Sei que, com a afirmação acima, dificilmente solucionei qualquer problema. As Escrituras vêm a nós em forma de palavras humanas, que já são "contextuais" (no sentido de terem sido redigidas para contextos históricos muito específicos) e, ademais, suscetíveis de interpretações distintas. Mas, ao fazer essa afirmação, estou sugerindo um "ponto de orientação" que todas as pessoas cristãs compartilham (ou deveriam compartilhar) e a partir do qual o diálogo entre elas se viabiliza. Nenhum indivíduo ou grupo possui aqui um monopólio. Assim, a igreja cristã deveria funcionar como uma "comunidade hermenêutica internacional" (...) em que cristãos (e teólogos) de diferentes contextos questionam, reciprocamente, seus vieses culturais, sociais e ideológicos. [p. 234]

Ok: a Bíblia pode servir como critério para avaliação das formulações de fé cristãs. Claro que, se ela mesma permite intepretações distintas e válidas, o mesmo valerá para as interpretações contemporâneas da fé: diferentes teologias e doutrinas poderão conviver e dialogar entre si. Tudo muito bom, tudo muito bem... Mas e quanto às pessoas e aos grupos fora dos nossos "arraiais"? As interpretações judaicas/ateístas/agnósticas/budistas/islâmicas/espíritas/xintoístas (etc.) são automaticamente menos válidas que as nossas? Com base em que poderíamos afirmar isso? Enfatizar o "evento-Cristo" não soluciona a questão: se os evangelistas interpretam e apresentam Jesus de diferentes maneiras igualmente válidas, e as próprias igrejas cristãs fazem o mesmo, como negar a validade das interpretações que judeus, islâmicos, espíritas, budistas (etc) fazem de Jesus?

Como se trata de um livro sobre missiologia, estou curiosa para ver como será tratada a questão da relação entre o cristianismo e outras religiões/cosmovisões... Para mim, porém, o apelo às "Escrituras" ou à tradição fala cada vez menos. Não posso mais defender a superioridade do cristianismo sobre outras religiões (ou sobre a "não religião", por falar nisso). E, no momento, não me sinto capaz de aderir incondicionalmente a qualquer doutrina cristã...

domingo, 11 de outubro de 2009

Preciosas Ilusões...



A moça é a cantora e compositora Regina Spektor. A música é Eet, de Far, seu último álbum. E a razão para eu postar o vídeo são estes versos:
It's like forgetting the words to your favorite song.
You can't believe it; you were always singing along.
It was so easy and the words so sweet.
You can't remember; you try to move your feet.
It was so easy and the words so sweet.
You can't remember; you try to feel the beat...
Me lembro de quando ouvi esta música na minha última viagem a Belo Horizonte, sozinha no ônibus que me levou de Confins à Pampulha. Não foi a primeira vez que ouvi, mas foi só lá que me dei conta do quanto esta música tem a ver com o que estou vivendo. Hoje encontrei o vídeo e o sentimento voltou. É mesmo como esquecer a letra da minha música favorita, que eu sempre cantava junto. Era tão fácil, e as palavras tão doces... Mas não consigo me lembrar, por mais que tente mexer os pés e sentir a batida...

Sim, era tão fácil, tão doce, fechar os olhos e cantar junto... Mas agora meus pés parecem ter esquecido a batida (ok, metáfora ruim: sempre tive dois pés esquerdos, rs), as palavras fogem da língua, as doutrinas escapam pelos meus dedos. E eu sinto, ao mesmo tempo, alívio e saudade.

Alívio, porque as doutrinas e tradições eram um peso. Não que eu me sentisse oprimida ou amordaçada por elas - cresci num ambiente nada fundamentalista, e aprendi rápido a colocar em perspectiva comentários como "Ouvir música do mundo/Faltar a Igreja/etc, etc, etc é pecado". E sempre fui uma "boa menina", em geral, sem grandes rebeldias adolescentes.

Não, não sou um dos muitos feridos em nome de Deus. Mas as doutrinas eram os óculos que eu usava para ler a Bíblia e o mundo. Eu podia até perceber que eles não funcionavam muito bem para ler o mundo, mas foi preciso ir ao Seminário para que caísse a ficha de que os óculos também não serviam para ler a Bíblia.

Me disseram que a Bíblia É a Palavra de Deus, que era absurdo dizer que ela "contém" a Palavra. E eu pensava, quietinha comigo, sem ousar dizer as palavras: "Mas peraí, pra que Deus ia querer aquele monte de genealogias em 1Crônicas??" Bobagens de adolescente, talvez. Mas comecei a estudar Teologia, e conhecer uma outra perspectiva sobre a Bíblia. Livre do peso de ser "A Palavra de Deus", ela já não se apresenta a mim como um livro narrando uma única história (o plano da salvação), mas uma coletânea de textos que dialogam e combatem entre si, testemunhos das crenças, dúvidas, lutas e paixões de pessoas que viveram num mundo muito diferente do meu, mas que, como eu, amaram, choraram, odiaram, cantaram, riram... Pra mim, a Bíblia só ganha com isso. E meus olhos brilham ao vê-la diante de mim, pedindo para ser explorada - não para encontrar nela as doutrinas que eu já tinha, mas para ouvir vozes de um passado tão distante que só pode chegar até mim em fragmentos que eu provavelmente nunca serei capaz de juntar num quadro único e coerente.

Mas tenho saudades... Saudades do tempo em que eu sabia direitinho a letra da música, saudades das minhas certezas, saudades dos meus mitos. Não, não quero abandoná-los todos, não agora, mas eles me escapam. E sinto, desde já, saudades destas preciosas ilusões, que não me deixaram na mão quando eu estava indefesa. Abandoná-las é como dizer adeus a amigos de infância...

but this won't work now the way it once did
and I won't keep it up even though I would love to
once I know who I'm not then I'll know who I am
but I know I won't keep on playing the victim

these precious illusions in my head did not let me down when I was defenseless
and parting with them is like parting with invisible best friends
<...>
and though I know who I'm not I still don't know who I am
but I know I won't keep on playing the victim

these precious illusions in my head did not let me down when I was a kid
and parting with them is like parting with a childhood best friend
-------
P.S.: Enquanto eu procurava o vídeo desta última música, encontrei este cover de My Humps, do Black Eyed Peas. Perfeito pra colocar um tom mais alegre neste post :-)

Did I Step On Your Trumpet?



Com vocês, Danielson - uma das bandas cristãs mais bacanas que eu conheço. A letra completa da música está no site.

"Be just who you're made to be / Papa is so mighty pleased with thee"

domingo, 27 de setembro de 2009

Comentar com os que comentam

Não imaginava que meu breve comentário sobre Romanos 12.15 no final de um post sobre a última assembleia da ELCA fosse render tanto... Mas os comentários continuam chegando, e fico tão animada de ver que alguém me lê que não quero deixar a peteca cair. Continuemos, então.

Pelo Facebook, minha amiga Luciana (que conheço desde a terceira série!) fez a defesa da Pollyana:


Eu nunca entendi a Pollyanna como alguém que nunca ficou triste. A Pollyanna sentia as coisas que davam errado com ela, sim. Mas ela conseguia ver que aquilo não era a pior coisa do mundo nem a última a acontecer na vida.
<...> Acredito que otimismo e empatia caminham juntos. Nada mais chato que estar triste e chegar um amigo que ao invés de te consolar vai te falar que as coisas estão ruim mesmo. E quando as escrituras nos ensinam a chorar com os que choram, elas nos ensinam como o consolo deve ser. Não um deixa disso, mas estar presente na hora necessária com um coração solícito e compreensivo.
Assino embaixo, Lu. Quando eu disse que "Chorar com os que choram é deixar de ser Pollyanna", tinha em mente os exageros cometidos em nome do otimismo. É verdade que é horrível ter ao seu lado uma hiena pessimista ou um andróide paranóide que só sabe dizer que tá tudo cinza, vai dar tudo errado, ó céus, ó vida, ó azar. Mas também é ruim quando quem tenta nos consolar parece desprezar a nossa dor. Especialmente nas igrejas, infelizmente, há quase um preconceito contra quem demonstra tristeza - muitos apelam para o "deixa disso", sem tentar compreender o que o outro sente.

Minha amiga Márcia defendeu as pequenas tristezas:
Realmente, as grandes mágoas são mais fáceis de se lidar pq contam com a compaixão dos que nos rodeiam.
As pequenas mágoas são as mais difíceis... porque quem tá de fora não entende como uma coisinha dessa pode causar tanta dor, como uma situação acaba se repetindo tantas e tantas vezes e o fulano não aprende a conviver com aquilo...
É claro que quando a gente analisa, tem muitas pessoas em situação pior do que a nossa, o que traz um pouco de conforto (um conforto egoísta até), mas geralmente não cicatriza a nossa ferida.
Só que o que para os outros é uma "coisinha", uma coisa que já teria que ser aprendida, pra quem sente é muito diferente... é dor que paralisa, que apaga as estrelas e nos envolve na escuridão...
É nessa hora que as lágrimas dos que choram com a gente brilham... e começam a trazer as estrelas de volta.
Verdade: só quem é amigo mesmo entende as pequenas mágoas do outro. Só quem ama pode, com sinceridade, oferecer ouvidos pra ouvir e ombros pra chorar. Claro que o bom amigo também vai aconselhar, apontar quando nós mesmos provocamos o erro. Amigo não é aquele que assina embaixo de tudo o que a gente faz, mas é aquele que nunca diz "Eu te disse".

Já o Luiz, meu ex-companheiro de FABAT, acrescenta:

Acho que chorar com os que choram também é validar sua dor e seu direito de sofrer. Tantas vezes a gente se sente pequeno e desamparado, e ainda tem que viver num mundo que cultua a alegria, a força e a vitória. Chorar com os que choram é mostrar que está ok sofrer um pouco com a vida, ficar triste e sofrer derrotas. Que ser humano e limitado não é problema nenhum, e que estamos todos juntos nessa. Sem sentimentalismos, exageros ou citações bíblicas para tudo, sabe?
Não é de hoje que a tristeza e o sentimento de desamparo são criticados - Fernando Pessoa já falava disso no seu Poema em Linha Reta. Ninguém quer admitir fraqueza ou falta de fé, e nessa ânsia de ser super deixamos de ser humanos. Mas também existe um certo "preconceito" contra a alegria. Lendo o comentário do Luiz, me lembrei de uma discussão que rolou anos atrás na seção de cartas da Megazine (suplemento jovem do Globo), em que alguns poetas "engajados" criticavam os que escreviam poemas de amor: absurdo, falar de amor com tanta fome e injustiça no mundo!

Às vezes, tentando fugir do triunfalismo que nega a tristeza, caímos no erro de negar qualquer alegria. Como comemorar qualquer coisa, se há tanta gente que não tem nada para comemorar? Mas isso também é deixar de ser humano. Acredito no equilíbrio: nem me isolar no meu castelo onde nada de mal acontece, nem me desesperar e virar carpideira da humanidade; mas viver (e deixar que os outros vivam, e viver com os outros) a alegria e a tristeza, a dor e o prazer, o riso e a lágrima.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Ainda sobre chorar com os que choram

Nos comentários, Harlyson Lopes Vieira perguntou:

O que é "chorar com os que choram" para ti?
Num sentido bem prático, chorar com os que choram (e se alegrar com os que se alegram) é pra mim se identificar com o sofrimento ou com a alegria de outra pessoa. Não é algo que se possa forçar, é fruto de amor - não do sentimentalismo, mas do compromisso de levar outro ser humano em consideração. É o antídoto do triunfalismo, porque mesmo quando recebo a maior das bênçãos eu me lembro dos que não foram ou não se sentem abençoados. É também o antídoto do pessimismo, porque mesmo na tragédia eu percebo que ainda há beleza no mundo.

Chorar com os que choram é deixar de ser Pollyanna, tentando ver motivos de riso até na boneca que nunca se ganhou de Natal. Tiago 5:13 diz: "Está alguém entre vós aflito? Ore. Está alguém contente? Cante louvores." Simples e claro, nada daquela bobagem de "Quem tem Jesus [...] está sempre sorrindo, mesmo quando não dá". Nas palavras de um sábio comentarista da JUERP: "Sorrir mesmo quando não dá? Não dá!" Como já disse um outro sábio, muito antes, "Há tempo de chorar e tempo de rir".

Se alegrar com os que se alegram é deixar de ser como a hiena do desenho. Tristeza não tem fim, e muitas vezes a gente cede à tentação de achar que nada dá certo, que Deus se esqueceu... Não estou falando, claro, das grandes dores, mas das decepções cotidianas, daquelas mágoas que vistas de longe parecem ínfimas, mas que são intensas pra quem sente (dor-de-cotovelo, por exemplo, ou a milésima promoção perdida para alguém menos capacitado).

Enfim, chorar e alegrar-se mutuamente é reconhecer o belo e o feio da vida. Nas palavras do Sergio Pimenta, é amar o seu próximo "como se a dor que ele sente fosse a que sente você".

domingo, 6 de setembro de 2009

Da arte de chorar com os que choram

No último dia 21 de agosto, a Igreja Luterana Evangélica dos EUA (ELCA, na sigla em inglês), decidiu aceitar que homossexuais em relacionamentos estáveis assumam ministérios - inclusive o pastorado. Obviamente, muitas discussões precederam as votações. A pastora Nadia Bolz-Weber, líder da igreja House for All Sinners and Saints (Casa para Todos os Pecadores e Santos), uma das participantes, registrou suas impressões num sermão baseado em João 6.56-69, que pode ser lido no blog Sarcastic Lutheran.

A descrição que Nadia faz da assembleia lembra bastante qualquer reunião onde um assunto polêmico é discutido: discursos inflamados (mas nem sempre inspirados) de ambos os lados, e a sensação clara de que eu é que estou certo, e de que, se Jesus estivesse entre nós, certamente estaria do meu lado. Mas eis que um orador toma timidamente a palavra e, antes de qualquer coisa, confessa estar apavorado, tremendo de medo de falar, e pede que orem por ele. E o homem ao seu lado, que defendia o ponto de vista oposto, simplesmente pôs a mão em seu ombro e orou enquanto ele falava.

Este gesto simples fez Nadia humildemente reconhecer: por mais que ela e sua comunidade tivessem, sim, o direito de celebrar a vitória, não poderiam esquecer aqueles que perderam. Jesus não está nem "do lado deles" nem "do nosso lado", ele está no meio oferecendo a todos perdão. Nossas convicções, crenças e interpretações da Bíblia são importantes, mas não são as palavras da vida eterna. Mas é tão difícil deixar de confundir estas coisas...

Há muito tempo me sinto desafiada por (e intrigada com) Romanos 12.15: "Alegrai-vos com os que se alegram, chorai com os que choram". É um conselho simples na aparência, mas quando se vive em comunidade é inevitável que os momentos de tristeza venham junto com os momentos de alegria: Maria passou no vestibular, Pedro perdeu o avô. Pode Pedro rir com Maria, e Maria chorar com Pedro?

O sermão da pastora Nadia me apresenta um novo desafio: como agir quando a minha alegria é a causa da tristeza do outro? Criticamos o conservadorismo ou o liberalismo dos outros, e acabamos nos esquecendo de que eles não são só um bando de fundamentalistas estraga-prazeres, nem um monte de loucos rasgando Bíblias: dos dois lados há pessoas que procuram ser fiéis a Deus, que se entristecem profundamente com o que consideram ser desvios da "sã doutrina". Meu copo de vinho ou minha saia comprida valem mais do que estas pessoas?

Pode Pedro rir com Maria, e Maria chorar com Pedro, se é a alegria dela que fere seu irmão?

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Perguntas em busca de respostas

É estranho ver minhas certezas se desmanchando no ar... E mais estranho ainda é ver que boa parte delas está indo embora sem muita dor - me faz pensar se eram, de fato, certezas. E o que mais dói não é perdê-las, é perceber que não tenho outras para substituí-las.

Antes de começar o curso de Teologia, resolvi fazer uma suspensão de descrença invertida (pra quem não conhece o termo: suspensão voluntária de descrença é aquilo que faz você acreditar que o Henrique VIII tinha a cara do Jonathan Rhys Meyers). Na minha "suspensão de crença", decidi não me apegar a tudo que aprendi em quinze anos de Igreja. Guardei a fé em um Deus criador e em um cara chamado Jesus que andou pela Palestina de 2000 anos atrás; e deixei o resto em aberto. E, agora, cadê as certezas que estavam aqui?

Esta semana, durante uma aula de Filosofia da Religião (em que eu não estava lá prestando muita atenção, admito), comecei a anotar uma série de perguntas:

  • Se não há vida após a morte, ela é necessariamente inútil?
  • Se não há Deus, não há sentido? Se não há Deus, não há moral?
  • O que queremos dizer, quando indagamos sobre o "sentido" da vida? A vida precisa ter sentido?
  • Nascer, crescer, sentir, se relacionar, morrer - isto é pouco? Tocar e ser tocado por outras pessoas, é preciso mais sentido do que isto?
A terceira me lembra um poeminha que escrevi no segundo grau ("A vida tem sentido? Se tem, pra onde?"). Mas ainda não consigo articular estas questões, transformá-las em texto, tirar delas, se não certezas, pelo menos uma linha de pensamento minimamente coerente. Inspirada, então, no meu colega Renato Fontes e em suas Perguntas Retóricas, vou deixando registrados os meus questionamentos. Não são retóricos, mas ainda estão em busca de respostas...

domingo, 23 de agosto de 2009

Moral?

Se não há Deus, não há moral? A moral tem que ser, necessariamente, resposta a uma entidade superior a mim? Por que a moral não pode ser resposta ao ser humano diante de mim?

Este vídeo é antiguinho, mas interessante (está em inglês, sem legendas):



Confesso: eu quero dar uns tabefes na apresentadora loura. Grupos ateístas espalharam cartazes anti-religião em cidades americanas. Os cartazes foram roubados, e os grupos decidiram substituí-los por cartazes dizendo "Não roubarás". A loura fica indignada: "Ah, é, somos ateus, mas vamos usar um dos dez mandamentos para nos justificar". Hum... Quem roubou os sinais, muito provavelmente, foram cristãos (note que ninguém nega essa possibilidade, a própria colunista convidada recomenda que os cristãos NÃO façam isso). Ora, não somos nós que adoramos esfregar a moral na cara dos outros? Por que os outros não teriam direito de devolver isso, quando nós mesmos agimos contra essa moral?

Mas a loura continua: "Se não lutarmos, o cristianismo pode desaparecer". Difícil acreditar que alguém realmente creia nisso, que uma das maiores religiões do mundo pode sumir do mapa simplesmente porque algumas pessoas espalharam cartazes contra ela. E, mesmo que isto fosse possível, será que isto justifica agirmos contra os nossos próprios padrões?

Por enquanto, fico por aqui. Comentários?

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Igreja Ateísta



Dica do Harlyson.

sábado, 20 de junho de 2009

Questão de Princípio

Participei recentemente de um mini-curso sobre os Princípios Batistas, ministrado pelo prof. Osvaldo Luiz Ribeiro e promovido pelo Centro Acadêmico Dr. Shepard do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil. Como tivemos apenas quatro encontros, não trabalhamos os Princípios exaustivamente. O prof. Osvaldo preferiu realçar alguns pontos que revelam a influência do liberalismo inglês do século XVII sobre aqueles primeiros batistas. Um dos trechos trabalhados discute o governo da igreja e, em certo ponto, afirma: "Nem a maioria, nem a minoria, tampouco a unanimidade, reflete necessariamente a vontade divina".

Se resolvermos seguir este princípio, temos que admitir que nenhum grupo - e nenhum indivíduo - tem respaldo quando afirma conhecer a vontade de Deus. A partir desta constatação, o professor propôs um pequeno exercício de reflexão: "E agora?" Dois alunos, eu inclusive, aceitamos o desafio. Os textos estão no blog Peroratio, junto com algumas considerações do Prof. Osvaldo. Eis o meu:

Se a vontade de Deus não é necessariamente expressa pela opinião da maioria, nem pela da minoria, e nem mesmo pela opinião de todos, estou isenta de buscar "vontades" específicas de Deus para a minha vida. Minhas decisões são minhas, com todo o bônus e o ônus que isso representa. Sou livre para decidir segundo o meu juízo, para voltar atrás quando errar (sem tentar culpar a Deus pelos meus erros), para assumir as consequências de meus atos. Ninguém decidirá por mim, e eu não decidirei por ninguém. Mas nem por isso estou totalmente sozinha: em vez de mentores que me indiquem O caminho, busco companheiros que me ajudem a fazer meu próprio caminho.

Saber que não há como ter certeza da vontade de Deus é assustador, especialmente para quem foi ensinado a buscar essa vontade e a segui-la. Por outro lado, e é esta a perspectiva que mais me atrai, é também libertador. Deus deixa de ser a Esfinge bloqueando o caminho, à espera que eu dê a resposta certa ao enigma ("Decifra-me ou devoro-te!"). Não há esfinge, não há um só caminho. Ou, como diz Antonio Machado, "Não há caminho - o caminho se faz andando". E não há uma só resposta ao enigma. Aliás, não deixa de ser curioso lembrar que a resposta ao enigma da esfinge é "o ser humano"...

Falar em uma Resposta me faz lembrar do Guia do Mochileiro das Galáxias. Segundo a série (que já foi programa de rádio, livro, seriado de tv, filme e até toalha), 42 é A Resposta para a Vida, o Universo e Tudo o Mais. O que ninguém sabe é qual é a pergunta... E, se a gente pensar bem, o que não falta por aí é resposta: amor, dinheiro, caridade, trabalho, religião, sexo, prozac, comunismo, anarquismo, capitalismo - tudo pode servir pra nos levar a auto-realização, à felicidade, à justiça social. Só falta decidir se o que a gente quer é auto-realização, felicidade, justiça social ou não sei o que mais - enfim, só falta saber qual é a pergunta. Ou, antes: falta encontrar uma resposta para cada pergunta que a vida me coloca. Cada situação é um desafio e uma oportunidade para escolher: com que roupa eu vou? Com quem eu vou? Pra onde eu vou? E como eu faço pra chegar lá?

Há desafios que são banais, como o de escolher se vou de ônibus ou metrô. Outros parecem mais assustadores do que são na verdade, como o Cavaleiro Negro de Em Busca do Cálice Sagrado - e, como o coelhinho do mesmo filme, alguns são bem mais perigosos do que parecem (Monty Python, Douglas Adams... O que seria de mim sem os humoristas ingleses??). Diante de cada desafio, grande ou pequeno, estamos sozinhos: a decisão final será sempre nossa.

Ser livre é ser só. Mas essa solidão não me satisfaz. É verdade que ninguém pode tomar minhas decisões por mim, e eu também me recuso a decidir por outros. Mas prefiro a opção do Drummond (ufa, um brasileiro!): "Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas". Quando li meu texto na última aula do curso, o Osvaldo comentou que dois perdidos não fazem um achado. Concordo. Mas vejo isso como uma advertência contra a ilusão de encontrar, em/com alguém ou com/num grupo, a resposta para a vida (e o universo, e tudo o mais). Abro mão dessa ilusão, mas não abro mão de compartilhar minha vida com outras pessoas. Se dois dormirem juntos, eles se esquentarão; mas como é que um só vai se esquentar? Ah, isso é Eclesiastes 4.11, só pra jogar um pouquinho de Bíblia também.

Encontrei por acaso esta tirinha, que tem a ver com tudo isso:

> Oi, eu estava me perguntando se você tinha planos pra -- Carambola, o que aconteceu com o seu apartamento?
> Eu enchi de bolinhas de plástico.
> Eu... O quê? Por quê?
> Porque nós somos adultos agora, e é a nossa vez de decidir o que isso significa.

É isso aí...

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Ouvindo: Jens Lekman - The Opposite of Hallelujah
via FoxyTunes

sábado, 13 de dezembro de 2008

O Natal vem vindo...

É tempo de Advento, tempo de esperar o Natal, o final do ano, o recomeço. Eu amo essa sensação de fechar um ciclo e iniciar outro (vai ver que é por isso que não me adapto bem ao trabalho "normal" - é frustrante começar um ano tendo que cuidar dos mesmos problemas de antes). E amo o clima do Natal.

Ninguém pode negar que o Natal é, na essência, uma das mais importantes festas cristãs, ao lado da Páscoa. Só que, a meu ver, a Páscoa é mais importante para os cristãos: é a festa que celebra o acontecimento chave do cristianismo: a Paixão e a ressurreição do Filho de Deus - se Jesus tivesse simplesmente nascido, de que adiantaria? Mas o Natal é mais popular. O nascimento do menino-Deus é (re)interpretado o tempo todo por músicos, anunciantes, escritores, roteiristas, comediantes...

Estou começando a colecionar algumas dessas reinterpretações do Natal. Quero entender melhor como os "de fora" vêem esta festa, e, quem sabe, encontrar formas de dialogar com elas. Quem sabe, montar uma (ou algumas) liturgias de Advento e Natal mais "contextualizadas" (ê palavrinha perigosa!), menos fechadas em si mesmas...

Bem, seguem algumas adições à esta minha coleção :-)

  • Dia desses, num especial do Saturday Night Live, assistia duas pequenas animações natalinas: Christmas Time For The Jews é um clipe divertido sobre judeus tomando conta da cidade na noite de Natal (a música gruda na cabeça); e Fun With Real Audio: Christmas mostra Jesus se horrorizando com as barbaridades de tele-evangelistas, até encontrar a verdadeira mensagem de Natal num especial dos Peanuts (fofo!).
  • Canto de Natal, de Manuel Bandeira, merecia ser recitado nas igrejas. É um poeminha simples e bonito. A primeira estrofe diz tudo: "O nosso menino / Nasceu em Belém. / Nasceu tão-somente / Para querer bem".
  • E a música que inaugurou minha coleção: Menino Deus, de Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro. Para um Natal brasileiro, nada melhor que um samba :-)
Raiou, resplandeceu, iluminou
Na barra do dia o canto do galo ecoou
A flor se abriu, a gota de orvalho brilhou
Quando a manhã surgiu
Nos dedos de Nosso Senhor
A paz amanheceu sobre o país
E o povo até pensou que já era feliz
Mas foi porque
Pra todo mundo pareceu
Que o Menino Deus nasceu
A tristeza se abraçou com a felicidade
Entoando cantos de alegria e liberdade
Parecia um carnaval no meio da cidade
Que me deu vontade de cantar pro meu amor

Para ouvir na voz de Clara Nunes, clique aqui. Para a cifra, aqui.

segunda-feira, 24 de março de 2008

Segunda-feira de quê?

Estava pensando ontem, domingo de Páscoa, naqueles versos do Drummond: "o amor é isso que você está vendo: hoje beija, amanhã não beija, depois de amanhã é domingo e segunda-feira ninguém sabe o que será." O que isso tem a ver com a Páscoa? Bem, a sexta-feira é da Paixão, o sábado é de Aleluia, o domingo é da Ressurreição... Mas e a segunda-feira? Alguém sabe o que será?

Para os que não foram criados em igreja, e/ou só aparecem lá pra casamentos, sexta é feriado (oba!) e dia de comer peixe, e domingo é dia daquele belo almoço em família com direito a troca de chocolates. Já os que, como eu, são cristãos, aprenderam no catecismo ou na escola bíblica que Jesus morreu na sexta, que, por isso, é um dia de tristeza. Domingo é dia de alegria: ele ressuscitou, voltou à vida. Mas e segunda-feira?

A pergunta começou a martelar na minha cabeça justamente quando eu pensava numa mensagem pra esta Páscoa - já é um hábito meu mandar mensagens pros amigos mais chegados nessas grandes datas (Páscoa e Natal/Ano Novo), e eu estava chateada de não ter pensado em nada este ano. Mas lembrei do Drummond, e decidi escrever uma mensagem pós-Páscoa mesmo.

Pensando mais um pouco, lembrei destas palavras de Paulo: "Se é somente para esta vida que temos esperança em Cristo, somos, de todos os homens, os mais dignos de compaixão". (1ª Carta de Paulo aos coríntios, capítulo 15, versículo 19 - quem não tem Bíblia pode conferir online). Corinto ficava na Grécia, e quem estudou filosofia deve lembrar que alguns gregos achavam que o corpo era a prisão da alma. Pra quem pensava assim, era bem difícil entender a ressurreição. Por isso, Paulo dedicou o capítulo 15 de ICoríntios a esse tema, mostrando que se não há ressurreição, Cristo não ressuscitou, e se ele não ressuscitou, a nossa fé - ou seja, a fé cristã - é inútil (v. 12-17). Mas não é assim: Jesus ressuscitou, e abriu caminho pra gente: nós também, se cremos nele, vamos vencer a morte (v. 55-57).

É por isso que Paulo diz que, se a nossa fé em Cristo é só para esta vida, somos dignos de compaixão, de pena mesmo. Naquele tempo, ser cristão era dureza. Muitos morreram por causa dessa fé. Não teria mesmo propósito alguém se arriscar a virar almoço de leão no Coliseu por causa de um carinha legal que, coitado, morreu. Mas, se é verdade que aquele "carinha legal" venceu a morte, a coisa muda de figura; e foi por crerem nisso que tantos cristãos se recusaram a negar sua fé e morreram: eles confiavam que também venceriam a morte.

Ainda hoje perseguições desse tipo acontecem em alguns lugares pelo mundo, mas aqui na nossa pátria amada ser cristão é absolutamente normal. Eu, pelo menos, nunca me senti discriminada por ser cristã - mesmo quando deixei de ir ou saí mais cedo de alguns encontros dominicais porque tinha de ir à igreja. Mas a palavra de Paulo ainda vale: se a nossa fé em Deus se limita a pedir proteção pra andar de ônibus no Rio de Janeiro, ou àquela visita esporádica à missa ou ao culto, ou mesmo ao trabalho intenso na igreja, a nossa fé não serve pra muita coisa. Deus quer nos dar uma vida nova e bela, quer que a gente viva intensamente hoje sem esquecer o amanhã: "Siga por onde o seu coração mandar, até onde a sua vista alcançar; mas saiba que por todas essas coisas Deus o trará a julgamento" (Eclesiastes 11.10b - não é lindo esse texto?).

Cristãos ou não, cada um de nós acredita em alguma coisa (em Deus, no amor, em nós), e constrói a sua vida com base nessa fé. Tem dias que a gente separa pra lembrar dessas coisas em que acreditamos: datas como Páscoa e Natal, um aniversário, a virada do ano. Mas, no dia-a-dia, a gente "faz tudo sempre igual" (grande Chico Buarque...) e esquece dessa coisa maior que dá sentido ao que fazemos. Meu desejo é que, nesta segunda e pelas próximas, a gente consiga sempre lembrar da razão da nossa esperança.

Beijos, e boas Páscoas!

segunda-feira, 17 de março de 2008

Pra Páscoa (do ano que vem?)

Nota rápida: está no site Louvor Brasil, do Gustavo "K-fé" Frederico, uma sugestão de liturgia pascal elaborada por esta humilde blogueira... Sei que está em cima para este ano, mas pro ano que vem, quem sabe? Críticas e sugestões são bem-vindas!

A propósito, o Louvor Brasil merece ser mais prestigiado pelas mentes pensantes e criativas do cristianismo brasileiro: é uma página aberta a contribuições para o louvor e o culto comunitário, e tem espaço também para paródias e reflexão. Espero contribuir mais por lá.

quinta-feira, 13 de março de 2008

Estudo Sobre Oração, parte I: Por que orar?

Nestes primeiros meses de 2008, estou dirigindo um estudo sobre a oração na Escola Bíblica Dominical de minha igreja. A revista básica é Oração: o poder de intercessão da igreja, de Samuel Figueira. Além dela, adotei como referência o livro Oração: ela faz alguma diferença?, de Philip Yancey. Foi a partir dele que refletimos sobre aquela perguntinha fundamental: Por que precisamos orar? Engraçado que a revista coloca essa pergunta lá na terceira lição. Mas, convenhamos, se eu nem sei porque eu oro, porque vou me preocupar em, por exemplo, encontrar tempo pra isso? Perguntar “Por quê?” é sempre o começo de uma aventura e/ou de uma dor de cabeça. E como eu já aprendi no Castelo Rá-Tim-Bum, “'Porque sim' não é resposta” :-)

Entender porque oramos é mais difícil do que pode parecer. Claro, podemos ficar com a resposta simples: “Porque Deus nos manda orar”. É verdade, a Bíblia está cheia de mandamentos sobre oração: Jeremias 33.3 (o “ddd de Deus”), Mateus 7.7, Isaías 55.6... Mas essa resposta não esgota o assunto: quem já não pensou com seus botões algo parecido com esta simples pergunta: “Pera, se Deus sabe de todas as coisas, por que orar?” Quem não se perguntou, parafraseando o Romário: “Orar pra quê, se Deus já sabe o que fazer?” Se Ele soberanamente já decidiu o meu futuro, de que vai adiantar orar por aquela pessoa especial, pelo emprego, por saúde, ou mesmo pela salvação de um alguém querido?

Para compreender o porquê, temos que pensar primeiro no quê: o que é oração? Vem imediamente ao pensamento a resposta aprendida na infância ou na classe de doutrinas: “Orar é falar/conversar com Deus”. Essa simples resposta diz muita coisa. Falamos muito que precisamos cultivar um relacionamento com Deus, e eu não escolhi a palavra “cultivar” por acaso. Como as plantas, relacionamentos precisam ser regados, adubados, tratados. E nada alimenta melhor um relacionamento do que o diálogo. Amigos não são aqueles que se vêem todos os dias, são aqueles que se conhecem – e como posso ser conhecida, se não compartilho com o outro o que me alegra, o que me aflige, o que chateia, o que me entristece?

Já deu pra ver onde quero chegar: se oração é falar com Deus, então ela é o adubo do meu (do seu, do nosso) relacionamento com Ele. Ninguém questiona a importância do diálogo num casamento, ninguém deixa de desabafar com um amigo mesmo sabendo que a conversa não muda a realidade (o desabafo não vai fazer o chefe deixar de ser um chato de galochas). Então, por que ter crise com a oração?

Ainda não terminei o livro do Yancey, mas já deu para captar a idéia dele de que, para entender a utilidade/necessidade da oração, é preciso primeiro mudar o ponto de vista. Não oramos para mudar a vontade de Deus. Não oramos para contar a Ele aquilo que Ele já sabe. Oramos para estabelecer um relacionamento com Ele. E, nesse relacionamento, eu cresço - aliás, não é isso que acontece em qualquer relacionamento? Quando me abro sobre as minhas frustrações e medos, descubro que eles são menores do que eu imaginava. Quando peço pela salvação da minha irmã, percebo que Deus está ainda mais triste do que eu com esta situação. Quando penso no porque Ele me chamou para o Seminário num momento em que minha vida estava tão difícil, vejo Sua Providência e aprendo a descansar n'Ele - e de repente as coisas não estão mais tão ruins. Não oro mais para tentar mudar a vontade dele, mas para descobrir onde me encaixo nessa vontade. Oro para me conhecer e para conhecer Aquele que me criou – e que, de tanto me amar, me salvou. Pra resumir: oramos para ter intimidade com o Pai.

Eu e o Ensino

Sou professora de Escola Bíblica Dominical na minha igreja. Na verdade, gosto de pensar em mim como uma dirigente de estudos: alguém que não está lá para ensinar, mas para incentivar o debate, estimulando as pessoas a apresentarem aquilo que o Espírito mesmo já mostrou a elas, e, a partir daí, direcionar a discussão para tentar garantir que, ao final, os objetivos do estudo sejam alcançados. Acredito muito no princípio do sacerdócio universal de todos os crentes, e tento, da melhor forma, colocar esta fé na prática. Claro que enfrento problemas: estudantes desmotivados, tímidos, desinteressados (aqueles que nem vão à aula, sabe como é?), acostumados a ouvir. Mas resisto como posso à tentação de transformar a aula em mera transmissão de meus conhecimentos pessoais.

Essa abordagem mais livre, de dar voz a todos, tem outro problema (talvez o mais difícil de resolver): como cristãos, temos algumas crenças inegociáveis. Há verdades básicas, válidas para todos. Mas, no decorrer de nossa vida com Deus, temos experiências com Ele que não se repetem da mesma forma com outros. Como ouvi de um professor esta semana, Deus, conhecendo a nossa diversidade, se revela de formas diversas para cada um de nós. Mesmo as verdades fundamentais do cristianismo (e às vezes é tão difícil defini-las!) são experimentadas de formas diferentes por cada um. Onde está o limite entre o universal e o particular? Como ensinar sem cair na armadilha de transmitir experiências pessoais como sendo verdades gerais?

Dá para ver que Tiago tem toda razão quando alerta: “não vos torneis, muitos de vós, mestres.” Creio que ele falou por experiência própria, até porque ele se inclui na segunda parte do versículo (“havemos de receber maior juízo” - Tg 3.1). É uma tarefa difícil, às vezes ingrata - quando parece não dar resultado. Mas a satisfação que vem de cumprir o dom que me é dado pelo Espírito Santo é inigualável. A certeza de saber que é assim que Deus quer me usar, apesar de (e com todas as) minhas limitações, dá paz ao meu coração. E de tanto lidar com a Palavra no ensino, de tanto ler coisas me preparando para as aulas, cresceu a vontade de estudar mais – olha o Seminário aí, gente! - e de me atrever a escrever. É muita pretensão achar que eu tenha algo a dizer, mas é bom pra me exercitar ;-) Começo com alguns comentários (não chegam a ser lições) sobre o estudo atual da minha classe: Oração.

domingo, 2 de março de 2008

Viva e Eficaz

"[O]s fiéis, e nomeadamente as pessoas cultas nas ciências sagradas ou profanas, querem saber o que Deus disse nas Sagradas Escrituras, e não tanto o que um fecundo orador ou escritor usando com destreza as palavras da Bíblia, é capaz de nos dizer. A palavra de Deus 'viva e eficaz, mais cortante que uma espada de dois gumes, penetrante até dividir alma e espírito, articulações e medulas, capaz de destrinçar pensamentos e sentimentos do coração' não precisa de artifícios e adaptações humanas para mover e abalar os corações; as Sagradas Páginas escritas sob a inspiração do Espírito de Deus são de per si ricas de sentido próprio; dotadas de força divina, são poderosas por si mesmas; ornadas de supremo esplendor por si mesmas brilham e resplandecem, se o intérprete com uma explicação fiel e completa sabe desentranhar todos os tesouros de sabedoria e prudência que nelas estão encerrados." (citação da Encíclica Divino Afflante Spiritu, sobre os estudos bíblicos)
Sabe quando você lê um texto que expressa exatamente aquelas idéias meio sem forma na sua cabeça? Tem até uma passagem interessante do George Orwell em 1984 sobre isso, vou resgatar e posto aqui depois. Eu só não imaginava ter um desses momentos lendo uma encíclica papal - muito menos uma assinada pelo Papa Pio XII, aquele acusado de fazer vista grossa para o Holocausto. Mas fui surpreendida pela citação aí em cima quando lia a Divino Afflante Spiritu, que, entre outras coisas, estimula o estudo científico das Escrituras, incluindo a análise dos manuscritos nas línguas originais.

Que vontade de estampar essa frase numa camiseta! Especialmente o trecho que diz que a Palavra "não precisa de artifícios e adaptações humanas para mover e abalar os corações" (tá, ia ter que ser uma camiseta bem grande...). Nós, protestantes/evangélicos orgulhosos do "Sola Scriptura", desprezamos o apego dos católicos à Tradição, mas muitas vezes caímos no erro de tentar dar uma ajudinha para a Bíblia. Não basta uma pregação com conteúdo bíblico, queremos um pregador carismático, dinâmico, quase um popstar.

Não estou dizendo que os pastores deveriam adotar o estilo paradão, se limitando a ler a Bíblia com voz clara e pausada, pra todo mundo entender. Eu também dormiria com uma pregação dessas :-) Só acho que, se a Bíblia parece não ser suficiente para atrair as pessoas, a falha não está na Bíblia...

sábado, 1 de março de 2008

Intervenção

"Been working for the church / While your life falls apart, / Singing hallelujah with the fear in your heart, / Every spark of friendship and love / Will die without a home." - Intervention, Arcade Fire
(Trabalhando pela igreja enquanto sua vida se despedaça, cantando aleluia com medo no coração; cada faísca de amizade e amor morrerá sem ter um lar.)
Ouvi essa música pela primeira vez hoje. Bela melodia, com um órgão maravilhoso - e a letra, vocês podem ver por esse trechinho, só colabora para o clima arrepiante da música.

Pior é saber que tem muita gente nas igrejas por aí trabalhando sem perceber que sua vida e sua família estão indo pelo ralo, investindo tempo e dinheiro sem ver resultado, ou simplesmente abrindo mão do tempo de descanso. A gente sabe que o homem não foi feito por causa do "sábado" - que, pelo menos a meu ver, era um dia reservado para não fazer nada - mas alguém ainda lembra que o sábado foi feito por causa do homem? Onde está o cristianismo simples que perdemos na instituição?

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Ouvindo: Arcade Fire - Intervention
via FoxyTunes

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