domingo, 21 de fevereiro de 2010

Diário de Viagem: Chapada Diamantina, parte 1

Tirei férias na primeira quinzena de fevereiro e aproveitei para conhecer a Chapada Diamantina e visitar meu avô no interior da Bahia. Na verdade, o plano inicial era visitar meu avô e depois "esticar" na Chapada, mas problemas de comunicação (leia-se: falhas no sinal do celular) me fizeram inverter os planos. Assim, a viagem começou por Lençóis, cidade a cerca de seis horas de Salvador que é a "base" favorita da maioria dos visitantes da Chapada. É um lugar pequeno recheado de turistas e de estrangeiros que adotaram Lençóis como segunda (primeira?) casa. Um desses estrangeiros é o argentino dono do Hostel Chapada, onde fiquei hospedada. É um dos albergues mais simples que já visitei, mas o atendimento é bom, os preços são razoáveis (um pacote de 5 dias, incluindo diárias, passeios, passagens de ida e volta para Salvador e uma camiseta, sai por menos de R$700), e o café da manhã tem surpresas como geleia de tomate. Tudo isso com aquele clima de hostel: gente sem frescuras de todas as partes do mundo.


Morro do Camelo, um dos postais da Chapada, visto da BR-242

Cheguei a Lençóis por volta das 11:30 da noite de uma segunda-feira. Foi o tempo de me instalar no quarto, tomar um banho e dormir. No dia seguinte, parti para o primeiro passeio, num grupo formado por um bahiano, um argentino e um casal de manauaras. Começamos pela Gruta da Lapa Doce, em Iraquara, um salão amplo cheio de estalactites e estalagmites com formas curiosas. O momento mais emocionante é quando o guia apaga o lampião e ficamos um minuto inteiro na escuridão absoluta.

Depois da Lapa Doce, partimos para a Fazenda Pratinha, ainda em Iraquara. A visita à Gruta Pratinha, com um rio subterrâneo, não estava incluído no pacote. Como o cara do albergue tinha esquecido desse detalhe e me dito pra só levar o dinheiro do almoço, acabei não fazendo esse passeio. Mas deu para curtir a água geladinha e calma da lagoa Pratinha... Depois do almoço com pratos típicos (bode cozido, cortado de palma, godó de banana, etc), fomos visitar a Gruta Azul - espécie de prima pobre da Gruta do Lago Azul, em Bonito.

O ponto alto do dia estava chegando: a subida até o topo do Morro do Pai Inácio, de onde se tem uma das mais vistas mais fantásticas da Chapada Diamantina. O nome do morro vem de uma lenda sobre um escravo que se apaixonou pela esposa de seu senhor (mais não conto, pra não estragar a surpresa). Lá em cima, as pedras arredondadas me lembraram o fundo do mar - segundo os geólogos, toda a região já foi fundo de mar - e o som do vento me lembrou o som de ondas. Pra completar o quadro, orquídeas e outras flores... Uma maravilha.

Pra fechar bem o dia nada como um bom banho. Fomos ao Poço do Diabo, uma cachoeira no Rio Mucugêzinho. O nome também é da época da escravidão: segundo o guia, escravos fugidos eram amarrados a troncos, atirados na água do alto de um mirante (de onde, hoje, aventureiros fazem rapel) e deixados lá para morrer. Mas a estratégia foi descoberta, e alguns negros se escondiam nas pedras e desamarravam as vítimas quando os senhores iam embora. Às vezes, alguns dos sobreviventes voltavam às fazendas, deixando os senhores convencidos de que aquilo era obra do Diabo.


As águas escuras são típicas da Chapada Diamantina

Depois de um banho com direito a massagem revigorante na cachoeira, era hora de voltar para o hostel. À noite, vi o final da festa do Senhor dos Passos, padroeiro dos garimpeiros, e encontrei meus companheiros do dia para jantar. Ainda vimos duas bandas passarem (depois dessa e da festa julina em Bonito, no ano passado, acho que vou passar a dar preferência a visitar lugares onde estejam acontecendo festas típicas), antes de sentarmos num restaurante de tapiocas e crepes. O serviço foi lento, mas o meu beiju recheado de carne-seca e queijo coalho valeu a pena.

No segundo dia, voltei a encontrar o casal de Manaus, e uma mulher de Londrina que estava no mesmo quarto que eu se juntou ao grupo. O passeio começou com uma flutuação no Poço Azul, em Nova Redenção. O guia Israel, apaixonado pelo que faz, conta todos os detalhes sobre o poço - como os fósseis de preguiças gigantes encontrados no fundo -, tira fotos e dá dicas enquanto a gente se diverte. Estava nervosa com a ideia de mergulhar numa gruta, mas foi só entrar na água transparente, fria e tranquila pra relaxar e curtir.

Depois de quase meia hora no Poço, partimos para o almoço em Andaraí. De lá, fomos a Igatu (também conhecida como Xique-Xique de Igatu). O acesso é feito por uma antiga estrada de pedra, com alguns trechos que só deixam passar um carro. A cidade já foi um centro próspero do garimpo com milhares de habitantes (os números variam, tem quem diga 3 mil, outros 9, e até 15 mil). Após a proibição do garimpo, a cidade minguou e virou distrito de Andaraí. Hoje, segundo alguns, a população não chega a mil habitantes, e as ruínas das casas de pedra viraram atração turística. Uma verdadeira cidade-fantasma.

Pra fechar o dia, de novo partimos para um banho de rio. Dessa vez, a parada foi na Cachoeira da Donana, no Rio Paraguassu. Além da paisagem, o lugar vale a pena pela simpatia das pessoas que trabalham na Toca do Morcego, lojinha e restaurante simpático na estrada da Cachoeira. À noite, jantamos uma boa pizza (Lençóis tem um monte de restaurantes italianos) com música ao vivo.

O terceiro dia foi o mais cansativo de todos: encarei, junto com a mulher de Londrina, uma menina italiana e o recepcionista do hostel (que também é guia), uma trilha de 7 km até a Cachoeira do Sossego. A trilha, por pedras, montanhas e pelo leito do rio num cânion fantástico, é cansativa, mas a vista no caminho (que inclui remanescentes da época do garimpeiro) e o mergulho no final compensam.



Na volta, fizemos uma parada no Ribeirão do Meio, uma das atrações mais próximas de Lençóis. Um belo poço, pedras para lagartear ao sol, e um escorregador natural para os mais aventureiros. O lugar estava cheio de estrangeiros (como uma italiana que está literalmente curtindo o desemprego em Lençóis - segundo ela, é mais barato se manter lá do que na Itália), mas engraçado mesmo foi um menino de uns 10, 11 anos bem brasileiro que, depois de escorregar, gritou com sotaque baianês: "Essa miséria relou meu c*!" Mesmo assim, ele escorregou de novo umas duas ou três vezes :-)

Na caminhada de volta, paramos numa barraca/lanchonete que serve de ponto de apoio. Tomamos água-de-coco, conversamos um pouco com o barraqueiro, e vimos um pequeno diamante bruto. De volta à Lençóis, jantamos na casa de massas Maria Bonita, na Rua das Pedras, a mais movimentada da cidade. E cama, que o dia foi duro!

Na manhã do quarto dia, fiz um passeio pelas redondezas de Lençóis. Começamos pelo Serrano (nome dado ao Rio Lençóis antes de passar pela cidade), com diversos poços para banho. Com a falta de chuvas, os poços (ou "caldeirões") parecem isolados, mas na verdade são parte do rio. Bem perto dali fica o Salão de Areias, com pedras que se desfazem em areias de várias cores. A paisagem é quase lunar... Alguns minutos de caminhada levam à Cachoeirinha e, depois, à Cachoeira da Primavera, onde parei para curtir a ducha natural. Depois disso, fomos a um mirante de onde se vê toda a cidade. Pena que esqueci a câmera!

Voltamos ao Serrano, onde ficamos fazendo hora, mergulhando e tomando sol até a hora do almoço. Nesse meio tempo, dei um jeito de escorregar nas pedras lisas e machucar meu braço, nada de grave. Voltamos ao albergue, tomamos um banho e partimos para comer e rodar a cidade. Já com a câmera, aproveitei para tirar fotos de atrações como o Mercado Municipal (antigo ponto de comércio de escravos), a praça com o coreto, o prédio da Universidade Estadual de Feira de Santana... E o caminhão do Palhaço Plim-Plim, que chegou à cidade naquele dia:


Luciano Huck, se você estiver lendo isto: Dê uma chance ao palhaço!

Passei o resto da tarde na pracinha do coreto lendo William Blake. Depois de um tempo, apareceu um grupo de mulheres, provavelmente estudantes de pedagogia, ensaiando uma entrevista sobre conteúdos multidisciplinares na escola. Adoro essas oportunidades de bisbilhotar :-)

O meu pacote de passeios incluía uma visita à Cachoeira da Fumaça, a segunda maior queda d'água do país e uma das principais atrações da Chapada. Infelizmente, porém, a falta de chuvas fez a cachoeira secar, e eu troquei o passeio por uma visita à Serra das Paridas, meu destino no meu quinto e último dia em Lençóis.

A visita à Serra das Paridas, um sítio arqueológico descoberto graças a um incêndio, é um passeio exclusivo da agência Volta ao Parque (meus outros passeios foram pela Cirtur, parceira do Hostel Chapada, ou com o pessoal do próprio hostel). Não tenho o que reclamar da Cirtur, mas admito que, se eu voltar à Chapada, devo escolher a Volta ao Parque pelo clima e pela descontração dos guias (eram dois). Pra completar, o grupo, com três meninas de Campinas, um casal de São Paulo (acho) e três caras de Brasília que vão todo ano à Bahia para o Carnaval (de Lençóis a Salvador), foi o mais divertido que peguei nesses cinco dias de Chapada.

O passeio começa com um café da manhã na Fazenda Os Impossíveis, que é auto-sustentável. O "hit" são os beijus feitos na hora, com recheio à escolha, além dos sucos com sabores tão improváveis quanto maracujá com couve e mamão com limão (meu favorito, mistura certa de azedo e doce). Depois da comilança, hora de queimar as calorias numa caminhada longa e cansativa até a Cachoeira do Mosquito. Vocês já devem estar cansados de ouvir isto, mas é a pura verdade: a paisagem e a massagem que a água caindo faz nas suas costas fazem o sacrifício valer a pena.

Na volta, devoramos algumas mangas antes do almoço típico de fazenda. Depois, uma horinha para a siesta antes de partirmos para o Complexo Arqueológico Serra das Paridas. As paredes de pedra estão cheias de desenhos, ainda em processo de datação. Além das pinturas, a vista é de tirar o fôlego.

Na volta, passamos pelo vilarejo de Tanquinho, onde paramos para tomar suco de mangaba e comer sonhos de goiabada. Na minha última noite em Lençóis, saí para jantar com a mulher de Londrina e um casal que também era de lá (coincidências assim não são o máximo?) Fomos a um restaurante mexicano legítimo, e provei os melhores tacos e a guacamole mais apimentada da minha vida. A primeira parte da viagem estava chegando ao fim...

2 comentários:

Luiz Asp disse...

Só você pra parar e ler William Blake no meio de um passeio como esse! Abs!

Iara disse...

Isso porque nem comentei do outro livro que levei: Pilares do Tempo, do Stephen Jay Gould
http://www.rocco.com.br/shopping/ExibirLivro.asp?Livro_ID=85-325-1247-8 :-)

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